Friday, November 25, 2011

Pôr em paralelo

   "Nunca me senti desta maneira. É como se tudo que ele faz tivesse completo controle sobre mim. Sonhei várias vezes com a possibilidade de ser feliz com ele. Talvez eu tenha até me iludido um pouco...sempre gostei do sorriso dele, ao vê-lo, no entanto, sorrindo com ela, não foi um dos momentos que posso listar como um dos melhores de minha vida. Doeu, sabe? Chorei todas as noites que costumava idealizar nosso amor, por semanas evitei aquele olhar contente, o qual me deixava descontente por não me pertencer. Meu coração não deve estar funcionando direito, por muitas  vezes sinto minhas pernas falharem, perco o tato das mãos. É, ele dilacerou meu coração. Mas quer saber de uma coisa? Doeu, doeu muito. Matou cada pedaço meu, cada pequeno sonho, cada grande ilusão, mas eu sou forte, ou pelo menos fiquei forte. Eu vou aprender mais e mais, assim espero."
   E assim costumava ser a colocação de garotas que tinham seu romance destruído, mesmo que por uma fração de segundo, ou para sempre. A juventude mudou, as coisas estão mais desordenadas. Talvez ela esteja mais fraca, menos preparada pros socos que a vida dá, sem disposição pra levantar. É incrível como conseguem se conformar com o fundo do poço e criar ali, um lar.
   "É amor! Eu o amo. Por que ele está com ela? Tudo bem, eu entendo. Ela é perfeita. É linda, magra, inteligente, alta... e eu? Como ele iria gostar de mim? Sou feia, gorda, mais burra que uma porta. Eu o amo tanto. Ele é lindo, engraçado. Meu coração...ficava tão acelerado quando ele passava. Agora, parou! Parou... meu coração não é mais o mesmo. É tanta dor, tanta desgraça... nada dá certo na minha vida. Preciso me cortar. Preciso sentir uma dor diferente dessa. Minha vida não presta. Não sei nem porque nasci. Cada coisa que me acontece, que é pouco pulso pra muita desgraça."
   Percebe a diferença? Essa geração inteira é depressiva, ou faz todo esse drama apenas para chamar atenção. Talvez seja isso, carência de atenção. O que os leva a fazer coisas absurdas para despertar compaixão nos outros. Não se dão conta que tem tanta gente pior. De fato, cada um tem capacidade diferente de suportar dor. Tem gente que chora por um corte de papel, tem outros que fraturam a perna e nem reclamam. O problema não é eles sentirem dor, acharem que o fim do mundo veio mais cedo, que a vida não vale a pena. O problema é que eles desistiram, se deram por vencidos. Cada um tem seu tempo de recuperação, mas têm tantos dessa geração que esqueceram o que é sorrir com sinceridade e estão tão acostumados com a dor que a ausência dela não se assemelha a uma vida.
   Ressalto que ao falar "essa geração" é mais uma mera generalização. Trata-se de todas essas pessoas que encaram a vida como obstáculos infindáveis e não como desafios superáveis.

Thursday, November 24, 2011

Sob efeito de um veneno

   São três da manhã e minha consciência não está nada consciente. Vou fechar os olhos para enxergar alguma coisa. Muitas imagens... passado se confundindo com histórias que idealizei, futuro deturpado por indecisões presentes.
   Esse sofá está tão confortável. Ok, a cozinha fica há dois passos daqui, mas não é minha culpa se a minha mente expansiva só consegue me proporcionar um apartamento minúsculo.
   O que é aquilo? Ah, deixa pra lá. Minha cabeça está girando demais para conseguir qualquer foco naquele objeto azul.
   Eu tinha alguma coisa para resolver...piada! Não consigo ficar sóbrio e acho-me capaz de solucionar algum problema maior que pagar essas contas medíocres.
   Contas, contador. Por que fui escolher essa maldita profissão? Eu não sou nada feliz fazendo isso. Na verdade, eu não sou nada feliz e ponto final.
   A última vez que fui feliz...como esquecer...é o motivo de toda minha atual tristeza.
   São seus lábios, o vermelho da sua boca. A fartura dos teus seios. O vestido colado...maldito álcool, me fazendo pensar em besteira.
   Besteira...
   Você nunca foi besteira pra mim. Besteira era o que eu fazia contigo, mas você também forçava a barra. Só porque era perfeita se achava no direito de sair flertando com todo homem que cruzava seu caminho. Ainda tinha a cara-de-pau de dizer que era coisa da minha cabeça. Coisa da minha cabeça, tão pirada você.
   Até parece que um homem não sabe quando sua mulher está lhe escapando por entres os dedos. Eu não ia ter perder pra outro, nunca.
   Fico me perguntando se aquelas mensagens que estavam no seu celular eram códigos que você usava com aqueles filhos de uma puta para me trair sem eu saber. Cada letra que eu lia ali, tentava interpretar...e em minha cabeça muita coisa fazia sentido. Eu ficava com tanta raiva! Puta que pariu...
   Mas...eu não podia dizer nada. Não queria que você pensasse que eu era um monstro alimentado por ciúme. Porque eu não era! Nem sou!
   Por isso eu me aproveitava dos momentos que você trocava olhares com desconhecidos para tirar satisfações. Sintia-me no comando quando finalmente colocava toda aquela angústia para fora. Passávamos horas e horas gritando um com o outro.
   Gritos...eles não funcionavam contigo. Por isso deixei tua boca vermelha naquele dia e te chamei de vadia. Mereceu aquele soco para quebrar tua cara de madeira.
   Eu te coloquei na linha, sabia? Se não fosse por mim, você estava dando pra qualquer cara que aparecesse na tua frente e mostrasse um pouco de simpatia.
   Eu te pintei todinha. Barriga roxa, curativo branco no braço, inchaço meio esverdeado na tua coxa. A medida que você fazia minha cabeça pesar, eu fazia teu corpo latejar.
   Você sempre voltava, pedindo perdão. Eu te tinha na palma da mão...eu te amava.





   Que sol do caralho! Que dor de cabeça maldita. Minhas costas estão me matando. Por que fui dormir no chão? Preciso comprar um sofá.
   Mal consigo lembrar o que bebi ontem.
   Ah! Uma garrafa inteira de whisky.
   O que é isso?
   É sangue! E essas gotas... são de sangue também.
   Puta que pariu! O que eu fiz?
   Meu Deus! Teu vestido azul, todo ensaguentado. O meu favorito...
   Não, por favor não. Acorda! Acorda! Respira!
   Vadia, respira, porra!
   O que eu fiz?
   Não, não fui eu. Foi você! Você que ligou para aquele seu amigo tarado.
   Estou lembrando...foi tudo culpa sua. Você que pediu isso...
   

Sunday, November 13, 2011

Consumidos

   - Você não acha que já te fiz sofrer demais?
   - Não - disse com lágrimas na voz.
   - Por que você faz isso? - gritou.
   O silêncio dos lábios dele foi a melhor resposta que ele podia oferecer.
   Ela levantou-se da cadeira, sentou ao lado dele naquela cama que guardava tanta história. Por fim, beijou os lábios calados.
   - Não percebe? Não percebe que a única coisa que faço é te machucar?
   - Você me faz feliz também... - perdeu seus pensamentos no mundo lá fora.
   Ela riu inconformada:
   - Do que adianta eu te fazer sorrir em um segundo e fazer-te chorar por uma hora?
   Os lábios dele contorciam-se em choro, enquanto ele prendia ao máximo aquelas lágrimas dentro de si.
   - Eu não sei te amar! Na verdade, eu não sei amar - ela o encarou, mas não teve reciprocidade no olhar.
   Se a avenida não estivesse tão barulhenta seria possível escutar os passos apressados daqueles corações apertados. Queria segurar aquelas mãos macias e impedi-las de partir, queria manter aquele sentimento estável e evitar machucá-lo. Infelizmente nenhum dos dois poderia garantir que tais desejos seriam atendidos.
   Voltou seu diálogo para a parede, dirigindo tais palavras aos ouvidos dele:
   - Desculpa! Por favor, me desculpa por tudo que te causei. Nunca foi minha intenção. A verdade é que eu sou complicada demais para viver, e difícil de se conviver. Todas as vezes que eu quiser te provar o quanto te amo, te excluindo desse caos, você vai entender como uma fuga. Não é! É apenas um cuidado. Eu vou afundar... - ela respirou fundo, dessa vez, era seu choro que queria fazer-se presente - e não quero, nem posso, levar você comigo.
   - Eu te amo - foi tudo que aquela boca contorcida em tristeza conseguiu proferir.
   - Eu também te amo - não foi mais possível guardar aquela mágoa que lhe assolava e entre soluços ela continuou - e é por isso que estou indo embora. Porque te amo o suficiente para te fazer feliz, e exacerbadamente para saber que nunca vou conseguir te fazer sorrir como merece.
   Olhou para ela. Ela não conseguia olhar para ele. Posicionou aquela fraqueza dela em seus braços como costumava fazer quando ela estava triste, mesmo que ela negasse que estava sofrendo. Ela deitou a cabeça nele, com a audição voltada para aqueles batimentos nervosos, como costumava fazer quando fingia estar bem. Por alguma razão, ele sentia que a protegia com aquele abraço de tudo que viesse atormentá-la, e ela sentia-se mais calma, menos só, quando ouvia aquele coração exaltado de preocupação.
   - Eu te amo - silenciou - eu te amo o suficiente para entender seus motivos e te amo incontrolavelmente a ponto de não te deixar partir - engoliu o choro.
   Ainda quebrada e machucada, conseguiu sorrir. Ele sempre lutou por ela, até quando o rejeitou.
   - Se você for, quem vai organizar tua confusão? Eu posso não ser a pessoa mais indicada, mas sou a mais esforçada. Se você for, como posso garantir que irá sorrir? Como vou cuidar de ti estando tão longe? Eu quero cuidar dos teus problemas, das tuas interrogações, das tuas dúvidas.
   - Mas isso te machuca. Cuidar de mim te faz mal - a tempestade que estava dentro dela se fez evidente naquele quarto - Você tenta me convencer todos os dias de fazer algo que seja bom para mim, mas eu não consigo. E você insiste em lutar para que eu seja feliz, para que eu participe do sorteio da felicidade. Quanto mais você luta, mais eu desconfio que não vale a pena. Não por você, mas por mim. Você é muito bom para mim, e lutar para me provar o contrário só consome tuas forças e...
   Ela beijou aqueles lábios frenéticos e sussurrou:
   - Mas não consome meu amor.

Sunday, November 6, 2011

Figuração

   Ela cria universos paralelos onde pode fantasiar toda a sua vida em forma de histórias, umas trágicas, outras maravilhosas. Um submundo que realiza todos os sonhos e os sorrisos não são falseados, em uma galáxia distante, tudo dá errado, a lei de Murphy reina nas suas manhãs escuras e suas noites em claro.
   Insiste num sonho que virou pesadelo, faz um pesadelo tornar-se real na sua vidinha mais ou menos. Uma hora quer tudo, em outra diz nada. Seus pensamentos contradizem suas ações. Fala direita, vai esquerda. Sua mente controla sua compulsão de indecisão.
   Sente uma necessidade incontrolável de ouvir dos outros o que seu inconsciente diz que é errado, quando escuta o contrário, finge-se de surda. É uma teimosia de adolescente, num corpo de mulher, com mente de criança.
   Dissolve-se em lágrimas quentes, com um coração hesitante e batimentos incertos. Em um de seus universos esse choro é chuva rosa que embeleza uma cidade de paixão, em que tudo é em dobro e em cada esquina há um casal abraçado. Num mundinho pequeno e distante, as batidas do coração formam uma melodia perfeitamente equilibrada em melancolia e felicidade.
   Caminha como quem quer chegar em algum lugar, mesmo quando corre infinitamente para o nada. Escolhe a estrada cheia de monstros que assustam com sorrisos sinceros, cheia de fadas que encantam com sua malícia secreta. Senta em uma pedra molhada e macia, repousa sua cabeça nos espinhos duros das roseiras.
   Naquele outro paralelismo, as rosas são tão cheirosas quanto perfume e tão vermelhas quanto sangue. Nesse lugar, sangrar é bonito e agradável. Então sofrer não parece tão ruim, a dor é alívio, a ferida é paraíso. Ao lado encontra uma faixa de terra coberta de falsas intenções e verdadeiros insultos. Pisa enquanto anda, corta-se enquanto pisa. Já aí, a dor não é tão bem-vinda e a ferida não é tão bonita.
   Perde-se tanto nessa imaginação fértil que quando tem de abrir os olhos para o único universo palpável não sabe se deve amar o sofrimento, ferir seus momentos ou fingir seus sentimentos. O que podia ser um simples mal entendido vira um caos eterno, pois ela fica refletindo em todos os outros universos que a mente dela fez questão de provar que são reais. Então ela encontra-se perdida nessas contradições bem colocadas, nesses pleonasmos óbvios e nas hipérboles exageradas. É o drama da vida dela, uma vida mais assistida que vivida.

Wednesday, November 2, 2011

Próxima página

   As pessoas tendem a relacionar aparência com estado de espírito. A mulher pinta as unhas de vermelho, pois  está sentido-se sensual e quer que todos o saibam. Ele tirou a barba, porque terminou seu relacionamento e quer encarar o espelho sem lembrar do rosto de sua namorada enquanto acariciava aqueles pelos faciais. Uma garotinha escolhe usar seu vestido favorito por estar no dia mais feliz da sua vida...
   O ser humano e suas maneiras estranhas de expressar aquilo que não consegue dizer. Às vezes isso acontece porque realmente não sabem o que está sentindo e precisa ver uma mudança em si para provar que algo está diferente. Esperando pacientemente que alguém interprete os sinais que está mandando sobre si, para conseguir, também, interpretar tais comportamentos.
   Vai dizer que você nunca percebeu que quando uma mulher muda radicalmente o corte de cabelo, o que ela queria na verdade, não era ter um cabelo diferente, e sim, ser uma pessoa nova, mais madura, mais vivida? Provavelmente aquilo que ela chamava de amor, passa a ter o mesmo significado que dor. Vai dizer que você nunca reparou que quando um cara começa a vestir-se melhor significa que ele encontrou alguém importante o bastante para que se preocupasse com sua aparência na presença dela? De certo, ele apaixonou-se e a única maneira que encontrou de chamar a atenção de sua amada era tornando-se visivelmente mais atraente.
   "Repaginada", a expressão mais usada quando referem-se a vida depois de uma grande decepção. Todos já fizeram isso, ou farão. Basta um estímulo negativo para uma repaginada instantânea. Uma expressão que funciona muito bem, visto que vem atrelada com outro bordão muito usado: virei a página! O que vai significar que os acontecimentos estáveis da vida daquela pessoa passaram a ser instáveis o suficiente para deixarem de existir e uma nova história começar a ser escrita.
   Basta parar e observar o quanto alguém aparenta diferente em um dia chuvoso, triste e sedentário, de um dia ensolarado, quente e cheio de vida. Quando as nuvens fecham o céu, calças jeans caminham pela rua, casacos acenam na calçada. Ao brilho dos raios solares, vestidos desfilam nos corredores, regatas suam nas praças. O clima que influencia no humor, o humor que influencia na aparência, a aparência de grita os sentimentos. Está tudo mais ligado do que imaginamos, e é a personalidade de cada um que vai definir como cada mísero sentimento se fará presente no visual dos corpos que vemos por aí.
   A mente funciona de uma maneira engraçada. É silenciosa para os outros, mas grita esses sinais subliminares do que podemos ver, mas não queremos escutar, muito menos proferir. Tudo para tratar de uma vida que precisa de atenção e apenas a terá se alguém se importar o suficiente para ter um pequeno trabalho de interpretar o oculto tão evidente.
   Com as repaginadas e as viradas súbitas de página, pode-se facilmente comparar a vida a um livro sem nexo. Cheio de vírgulas onde poderia ter parágrafo, cheio de reticências onde deveria ter ponto final. Composto por páginas inacabadas, capas confusas e sinopses ilegíveis. É um livro desinteressante lido por muita gente, mas nunca por completo. Capítulos que quase ninguém entende, partes que todo mundo ignora. A vida é um livro sem cópia ou rascunho, é uma obra de arte mesmo sendo insignificante para quem nunca o viu, apenas por ter sido um best-seller para os que se aventuraram a lê-lo.