Sunday, December 2, 2012

Num estalar de dedos

      Seus dedos caminhavam de maneira incessante pela parede branca. Era uma esquisitona, provavelmente recém-saída de um hospício, eu diria. Algo muito anormal fazia com que meu olhar se fixasse naqueles dedos corredores, naquele cabelo escuro e lambido. Hipnose. Aquela cena era meu espiral preto e branco. Era o relógio indo de um lado para o outro e fazendo: tic, tac, tic, tac.
      Não era a cafeteria mais chique do mundo, nem a mais acabada.O bom mesmo era o café mais amargo que minha vida. As mãos pararam abruptamente e pousaram na mesa rabiscada. A cabeça começou a se movimentar no sentido anti-horário.
      - Deseja mais alguma coisa, senhor? - hipnose interrompida.
      - Não. Por enquanto, não. Obrigado.
      Tic, tac, tic, tac. Aqueles olhos passaram a me fitar. A hipnose ficava mais forte e eu começava a suar frio. O mundo se apagou. Eu e aquela espiral, unicamente. Sua face insana revelou, de alguma maneira, curiosidade. Algo me perguntava o que eu fazia ali. Uma voz suave e ainda assim aterrorizante. Ela queria saber. Sem resposta. A voz enraiveceu e respondi em pensamento que não sabia. Então, ela logo se aproximou. Não fisicamente. Continuava no mesmo lugar. Sentada perto da parede. Era só sensação que me garantia que ela estava ao meu lado.
      Minha retina ressecava e só então eu percebi que já não piscava há um tempo. Ela só poderia ser uma bruxa usando algum encantamento seu na minha mente franca. Forçava minhas pálpebras para baixo e não saiam do lugar. Meu globo ocular não fugia dali. Parecia congelado naquela posição e isso me condenava a olhar aquela estranha mulher. Era um beco sem saída. A cara pálida sem qualquer expressão me deixava aflito. Aos poucos tentava lembrar o amargo do café só para ter certeza de que ainda estava ali. Foi em vão. Minha mão alcançou a xícara que eu nem sequer conseguia enxergar para mais um gole, no entanto meus sentidos estavam confusos e acabei por derrubá-la no chão.
      Olhei para baixo. A cafeteria voltou, os ruídos da cidade também. Prontamente a garçonete pegou a vassoura e começou a juntar os cacos. Pensei em ajudar, mas a voz continuava ali:
      - Não.... não.... não....
      Tic, tac, tic, tac. Minha cabeça começava a virar para que meus olhos pudessem achar a mulher novamente, mas eu lutava. Tic, tac, tic, tac. Sentia o suor saindo dos meus poros, mas não me rendia. Tic, tac, tic, tac! Não queria aquela sensação escura mais uma vez! TIC, TAC, TIC, TAC. Ela venceu e a escuridão retornou. Dessa vez era diferente. Não era possível vê-la, apenas escutá-la. Não entendia muito bem o que queria dizer, mas meu corpo não estava imóvel dessa vez, na verdade, ele movia-se sem minha permissão. Minha pernas levantaram-me e dei dois passos em uma direção que já não sabia mais qual era. Minha mão começou a deslizar em direção ao meu bolso e pude sentir frio. Meu dedos agarraram algo e puxaram para fora da minha calça, revelando uma pistola. Comecei a ouvir gritos além da voz que parecia me guiar. Enquanto erguia meu braço, os gritos aumentavam. Posso jurar que comecei a ouvir choros de desespero. Eu não queria fazer aquilo. Tentava perguntar por que raios eu estava segurando uma arma e ela não me respondia, continuava com aquelas palavras irreconhecíveis.
      O indicador começou a disparar. Eu continuava sem ver qualquer coisa que fosse, mas os gritos de medo me preocupavam. O que eu estava fazendo? Não queria atirar em ninguém! Tentava balbuciar algo parecido com um pedido de desculpas, mas não podia controlar músculo nenhum do meu corpo. A arma disparava e cada vez que isso acontecia meus pensamentos eram mais gritantes. A voz lá dentro se mantinha no mesmo tom, na mesma velocidade e isso fazia com que minha agonia aumentasse. Eu estava realmente matando as pessoas que estavam naquele estabelecimento? Não poderia fazer isso! Meu indicador puxou o gatilho mais uma vez. Nenhum disparo. Senti meu corpo perder forças e cair.
      Levantei minha cabeça da mesa. O café quentinho me esperando. Sem pistola no bolso. Todos sorridentes como antes estavam. Olhei para a mesa que a louca estava. Ninguém. Minha respiração ofegante virou alívio. Bebi meu café e fui pagar a conta no balcão. Escutei uma risada maliciosa e resolvi olhar para trás. Lá estava ela, no mesmo lugar, seus dedos correndo pela parede, olhando para mim. Tic, tac, tic, tac.
      

Saturday, November 17, 2012

Morno

      Saturada dessas pessoas que não conseguem escutar o que lhes é dito. Falei que sou fogo e que com fogo ninguém brinca, mas a pessoa dá uma de teimosa e se incendeia. Por que diabos você vai pisar em uma rosa se sabe que ela tem espinhos? Não sou de ficar mandando mensagens amorosas para que acorde sorrindo e percebendo o quanto me ama. Nem gosto de receber esse tipo de coisa. E aí a pessoa insiste no erro, burrice.
      Não me traga reclamações, já sei que não sou perfeita. Agora vejamos, uma coisa é não ser perfeita, outra é não ser perfeita para você. Eu avisei. Você quis tentar. Eu deixei, mas não vou mudar. Quer saber? Vai procurar alguma que veja maravilha no seu romantismo, pois eu sou daquele tipo que não suporta "nhem nhem nhem". Acho que até já sabe que o limite não fica muito longe quando eu, a que não tem lá muito sentimento, percebo que não faço bem à pessoa que me quer bem. Por isso digo: quero terminar.
      Terminar o que? Sinto-me boba ao falar essas palavras combinadas para alguém com quem nunca comecei absolutamente nada. No entanto, mas uma vez sou apenas eu que tenho essa sensação de história sem começo.
      Realmente sinto muito por ter topado te fazer passar por isso sabendo que não ia sair coisa boa. Dar esperança a alguém que já tem é só maximizar o sonho irrealizável. Prometo que quando esbarrar em você por ai apenas direi "oi", não perguntarei "tudo bem?". Afinal, por que iria perguntar algo se já sei a resposta? Se quiser fingir que não me conhece, tudo bem. Fica mais fácil de apagar de memória.
      É hora de acordar e encarar a dura realidade. Fogo queima e machuca, pode até deixar cicatriz, e se deixar, faça de tudo para esquecer a razão de ela estar ali. Espero que encontre algo menos quente e não tão gelado. Alguém que aqueça no frio e esfrie no calor.

Saturday, November 3, 2012

Beco sem saída

      Ficava brincando com meus olhares, enquanto eu tentava desviar a atenção para qualquer outro ponto daquele lugar. Você sendo o sul do meu norte e ficando impossível fugir desse magnetismo. As luzes coloridas me sacaneavam levando todo foco para o canto que você estava. A música parecia ser escolhida minuciosamente por seus quadris.
      - Garota, me diga o que você quer de mim - eu pensava.
      Uma bebida, duas, três. O suor do prazer descendo e molhando minhas vestes. Virei minhas costas para  respirar o ar que não me levava a você. Troquei palavras com amigos, dancei com desconhecidas. Distração para mente concentrada é enganação. Olhei no espelho e vi você ao meu lado, distante, mas comigo. Apenas queria ser corajoso o suficiente para agarrar aquela cintura perto de mim e te fazer sentir o que estava sentindo.
      Quatro, cinco, seis. Um pouquinho mais de álcool para acalmar as vontades. Merda. Claro que isso só ia potencializar o desejo de despir seu corpo e rasgar seu veludo. Um passo em sua direção. Pernas começando a amarelar. Dois passos para trás. De volta para o bar. Sete, oito, nove. Minha cabeça já girava mais rápido que seus rebolados. Pés caminhando sozinhos e seguindo o curso natural da luxúria.
      Finalmente podia sentir seu cheiro e isso só me deixava com a pele pegando fogo.
      - Olá - foi a bosta que falei.
      Esperta era você, que me respondeu sem palavras. Com um sorriso malicioso e olhos vampirescos, se aproximou. Abraçou meu pescoço e embalou meu corpo no ritmo do seu. Vagarosamente enroscava em mim, rapidamente aumentava minha sede.
      Com o lugar lotado tive de contar meu animal que estava pronto para devorar a presa aparentemente indefesa, mas você tinha tudo muito bem pensado, não é?
      - Vem comigo - com os lábios pintados de vinho sussurrou com ar erótico em meus ouvidos.
      Sem sinal de recusa agarrou minha mão e me tirou da multidão. As cores das luzes iam sumindo e se resumindo a escuridão. Passamos por uma porta que nunca havia notado. Logo estávamos a sós em um beco pouco iluminado e com o frio da cidade.
      A vampira avermelhou meu pescoço, agarrou meu cabelo. Abriu minha boca em um gemido. Era ali. Nem no momento mais sóbrio da minha noite eu poderia imaginar que conseguiria sentir tanto prazer com um só toque. Não podia parecer abobalhado, agarrei sua cintura, desci para o quadril. Apertei a bunda voluptuosa daquela mulher que sugava qualquer ponta de inocência que ainda poderia haver em mim. Nossos lábios apressados insinuavam libertinagem. Uma cena pouco vista, mas muito frequente entre quatro paredes. Mãos correndo para o centro da euforia. A baixa temperatura parecia não existir, pois os corpos transpiravam. Calças baixadas, vestido acima do umbigo. A dança dessa vez intencionava satisfação. Suas garras afiadas rasgavam minha carne e isso só me deixava com mais anseio de sangrar tua exaltação. Apertava meu corpo contra o teu. Os gemidos, que iniciaram em um volume muito baixo para ser escutado por qualquer um que decidisse andar pela calçada mais próxima, viraram gritos. O ritmo da música que criávamos ficava mais rápido e tudo que mais queríamos estava cada vez mais próximo.
      Um último arranhão em minhas costas, uma última lambida em seu pescoço, um último gemido simultâneo e estávamos completos mesmo descarregando um pouco de nós. Olhei para o céu pouco estrelado e ouvi uma voz trêmula vinda de baixo:
      - Minha casa ou a sua?

Friday, November 2, 2012

Túnel

      As luzes escurecendo, o corredor se distanciando. Sua imagem se modificava. Eu nunca quis nada além do que tivemos. Tudo era perfeito enquanto estava perto da sua respiração, do seu toque, do seu calor. Até a raiva que fervilhava em nossas discussões parecia melhor que qualquer beijo com qualquer outro alguém.
      Meu corpo não correspondia aos meus desejos e eu não conseguia lutar contra aquela força, pois não tinha mais suor, imagine sangue para guerrilhar com unhas e dentes pela única coisa que balançava minhas pernas, cansava minha mente, vencia minha dor. Queria te ter para mim e nada mais seria necessário. Meu diabinho, no entanto, gritava no pé do meu ouvido "você precisa crescer". Nunca havia entendido o apelo do maldito até o dia em que sorrir depois de muita lágrima não anulou o sofrimento.
      Pedir desculpas não vai desfazer qualquer uma das minhas atitudes que te fizeram correr de mim. Mesmo que eu tivesse essa opção, não iria escolhê-la. Entendi o que quer dizer crescer, o que quer dizer finalmente perceber que o que eu achava que me levava para frente só me puxava para trás. Não me leve a mal. Eu te amava. Mentira. Eu te amo. Não consigo parar de pensar em todas as cenas de reconciliação para o dois que já foi um.
      Aqui estou, fragilizada por dentro, machucada, cansada, saturada. Quero seus olhos fitando os meus, quero me humilhar chorando aos seus pés e fazer tudo voltar ao primeiro momento de nossas vidas entrelaçadas. Fico em pé, parada. Deixo o corredor embaçar sua figura. Não corro, não grito. Fico ali, deixando o curso natural das coisas curarem essa vontade, esse amor malcriado. Viro minhas costas para aquilo que um dia chamei de "para sempre", dessa vez eu caminho, não na direção que me puxava para o fracasso, mas na direção que eu julguei ser sucesso. Quebrei as correntes invisíveis, joguei o cadeado no lago dos sem salvação. Libertei o que costumava chamar de "eu".

Saturday, September 22, 2012

Novo usado

      Ela já estava provocando seus hormônios por muito tempo. Aquelas curvas perigosas faziam seu corpo querer cavalgar numa viagem. Por muito tempo ele estava sendo enganado, seduzido, rejeitado. Não era o bonzinho da história, pois nunca havia sido paspalho. Era persistente, tão persistente que caiu de joelhos por aqueles joelhos. Não costumava ter dificuldade com mulheres, porém não é daquele tipo que usa e joga fora. Também não faz o tipo compromissado, mas tem bom coração.
      Um beijo em um dia, nem olhar na cara no outro. Ela é megera, sabe que pode ter quem quiser em suas mãos. Até quem ela não quer, se dá ao trabalho de querê-la. Ele sabia que estava sendo enrolado, isso, no entanto, só fazia com que ele gostasse ainda mais do desafio.
      No começo tinha a melhor das piores das intenções. Foi movido pelo desejo, confessava. O tempo foi maldito e o carinho foi surgindo. Pegou-se preso naquele jogo que ela criava com todo cara que despertava interesse. Infelizmente ele ficou entre aqueles peões que carregam um fardo até o fim do jogo. Os peões espertos ganham depressa ou abandonam cedo, nunca ficam tempo suficiente para colocarem o coração em jogo. Sendo burro como uma porta, procurava qualquer oportunidade para não só ganhar, mas conquistar a vitória. Parece a mesma coisa, mas é bem diferente. Ganhar pode ser de mão beijada ou por W.O. Conquista tem suor. Se fosse simples, já poderia ser considerado vencedor, pois nos finais de festa em que os peões desistiam, ele continuava ali. Ela, para não sair no prejuízo, concedia uma chance. Um contato que nunca saiu do bar, da rave, da boate, ou de qualquer festa que estavam.
      Ele suava, investia, tentava, corria. Ela? Esquentava, quebrava, desistia, fugia. A mulher não era só sensualidade, era interesse. A garota não era só sutileza, era furacão. Várias facetas num só corpo quente de peito congelado. Era uma armadilha, era inferno, no entanto, ele não acreditava em Deus. Confiava em si, ela dizia que não era isso que queria.
      - O que quer então?
      Um homem, um bandido, um fora da lei. Alguém que fizesse com ela o crime que ela era acusada de cometer. Ela queria um cara independente, livre e inteligente. Beleza não era nada, conquanto tivesse uma casa. Calúnia, ela queria riqueza. Rico de dinheiro, beleza, coragem e esperteza.
      Era inteligente, quase independente. Tinha carro, só não era BMW. Era bonito o suficiente para arrancar um sorriso de qualquer rosto feminino. Precisava ser melhor. Se moldou, mudou. Era tudo que ela poderia querer sem fugir do próprio ser.
      - Aí, meu caro, que você está enganado. Você não pode ser, tem que fingir - disse um peão que já havia desistido do jogo.
      Ele ignorou e continuou no jogo. Rolando dados, pulando espaços. O tabuleiro só aumentava e o prêmio nunca chegava para ficar.
      Na festa lotada, tinha mais uns quatro peões. A concorrência era grande, mas ele estava crente. Por muito tempo ela tinha feito promessas da boca para fora, que nessa noite ele iria cobrar. Buscando ganhar a noite, encontrou um concorrente segurando o prêmio, passando a mão no ouro reluzente, beijando o troféu. Foi a última cartada. O som da festa quase excedendo as batidas de seu coração. Suas veias saltavam de raiva. Tanto tempo tendo a cara pisada, as bolas chutadas, sido rejeitado como um qualquer. Era a hora da virada. A partida acabou ali. O jogo mudou. Daí em diante ele decidiu ditar as regras. Parou de ser, resolveu fingir. De jogador, virou mediador.
      Não olhou na cara, não pediu beijo. Virou de costas, não foi embora. Queria ficar ali, perturbando a consciência do juízo que estava perdido na cabeça daquela garota. Ela notou sua presença depois de esfregar na cara que ele perdeu. Ele, por sua vez, já estava propondo um novo jogo, dando atenção a novas garotas, esfregando na cara que ela não era mais ninguém.

Wednesday, September 5, 2012

Adeus por escrito

      Oi,
      você que encontrou essa carta pode, por favor, deixá-la no endereço que está escrito no verso? A pessoa que lá reside saberá o que fazer.
      É muito estranho escrever uma carta que você nem tem certeza se vai ser lida. Eu quero e não quero que  minhas letras mal escritas sejam decifradas. É tudo muito incerto e confuso nesse ponto. Queria poder me despedir, mas penso que ir embora sem dar as caras é mais fácil, menos doloroso. Não aguentaria ver lágrimas, lábios retorcidos. Não, eu desistiria de partir. Eu tenho que ir, eu preciso.
      Queria agradecer por tudo que todos fizeram por mim. Todo carinho que recebi da minha família mesmo sendo pouco, todo apoio que recebi dos meus muitos amigos. Lembro com gosto dos sorrisos que compartilhei,dos abraços que me foram oferecidos, os apertos de mão que fecharam negócios, as mãos nos fios que acalmaram o coração.
      O problema, meu maior motivo, é que não consigo esquecer de maneira alguma os momentos ruins, sofridos, torturantes. Pai, não é minha culpa se a mamãe te traiu. Eu tinha sete anos, por Deus! Não me culpe pela sua desgraça. Mãe, eu fiquei com você porque o papai não me amava, ou pelo menos não parecia amar. Desculpa, mas eu não suportava metade das suas exigências e reclamações. Eu amo vocês, porém não sei viver com vocês. E é isso que estou fazendo, indo embora. Tudo que eu sempre quis fazer, finalmente vai dar certo.
      Dani, você pode ficar com a Zezé, tá? Não posso levá-la comigo, a viagem não permite. Olha, ela só come ração, e duas vezes por dia. E quanto à água, tem que mudar todo dia, porque ela não gosta de água velha. Ficarei muito feliz se puder fazer isso por mim, tá? Desculpa por não ter te dado muita atenção nas últimas semanas, sei que você vai entender meus motivos. Eu estava mal, cheguei à última gota e passei dela. Minha raiva transbordou. Virei uma panela de pressão, e eu não queria explodir. Você não merece, não me merece. Eu te amo, por isso estou embarcando nessa jornada só. Quero que você vá viver sua vida e ser feliz, porque é isso que nunca consegui te proporcionar por inteiro, felicidade.
      Ah, perdoe as marcas de lágrima que possam acidentalmente molhar o papel. Cheguei a um ponto que não consigo mais controlar o rio que sai de meus olhos.
      Não terei muito tempo para explicar minha decisão, pois calculei meu tempo errado e o trem já está chegando. Amigos, não sintam minha falta nas festas, nos bares, nos cantos das boates. Sei que já nem sentem, pois me distanciei já faz uns tempos. Vivam, meus queridos, vivam! Aproveitem por mim na minha ausência. Serei uma pessoa eternamente grata se fizerem isso por mim, por vocês.
      Cinco minutos para o trem chegar, é melhor eu finalizar logo isso tudo. Qualquer coisa, quem ainda tem dúvida perante minha decisão, perguntem aos meus pais. Eles receberam uma carta semelhante a essa, no entanto a deles, ah, a deles... a carta deles é cheia de palavras feias, cheia de motivos, cheia de dor, desespero. Espero que eles não me odeiem depois de ler. Ou foda-se, que me odeiem. Estou indo embora para nunca mais voltar mesmo.
     Já escuto o trem, tenho que correr. Vou me apressar pela última vez. Está chegando, eu sinto o chão tremer com minhas pernas. Eu tenho forças.. preciso corr

Sunday, September 2, 2012

Sem título (1)

      Alguns copos vazios esperando mais cerveja. Uma roda de amigos e conhecidos. Alguns violões, várias vozes, poucas belas o suficiente para tornar a música espetacular. O que importava era o momento: risadas, danças, amores. Naquela noite, nada era cinza, ainda que estivesse escuro. Bastava a fogueira vermelha e amarela iluminando o sorriso de cada um que estava ali para comprovar a alegria que se instalara.
      "Fuga" era o nome que havia sido estabelecido para aquele lual. O número de copos não ultrapassava a faixa dos 30. Ela foi ainda que não conhecesse muitas daquelas mãos que seguravam os copos. Não era a garota mais sociável dali, mas gostava de estar envolta de pessoas a fim de curtirem a mesma sensação, queriam apenas fugir de todos os problemas que enfrentavam semana a semana, fosse em casa, na faculdade, nos relacionamentos. O importante era sorrir sem medo da inveja.
      Estava hospedada na casa da dona de um dos quatro violões que eram tocados naquela roda. Já havia desenvolvido uma certa intimidade com duas ou três pessoas dali. O resto poderia ter visto antes, até saber o nome, porém não sentia-se confortável o suficiente para conversar.
      Bebia, ainda que pouco. Tinha o interesse de ficar alegre no álcool, mas não tinha pressa:
      - Mais?
      - Calma! Ainda nem terminei esse - um quarto de sorriso, um quarto de cerveja no copo.
      As melodias variavam de animadas a calmas sem muita reclamação. Todos cantavam como se fossem as músicas mais contagiantes eleitas pelo top 10 da MTV. Conhecendo boa parte delas, sua voz tímida acompanhava de leve cada canção. Tinha consciência de que não era a melhor cantora do mundo, por isso procurava poupar os que poderiam ouvir seu canto. Sua amiga conseguia ir do grave ao agudo em segundos, isenta de desafinações.
      Qualquer um poderia sugerir uma música. Funcionava como um karaokê. Quer uma música? Tem que cantá-la. É claro que era provável que todos acompanhassem, no entanto sempre deveria haver alguém que puxasse o coro. Não sabe tocar violão? Pede para alguém tocar para você. Era uma forma simples e humilde de todos participarem de um bom momento. Claramente que alguns cantavam mais que outros, mas a maioria tinha seu solo preservado.
      Passaram-se algumas horas. Além de músicas, brincadeiras, piadas, histórias. Todos já estavam sob efeito da cevada com uma pequena porcentagem de álcool. Muitos dançavam; alguns se despiam, - não por completo - mas logo vestiam-se de novo, pois o frio não permitia muita exposição.
      Um rosto não muito familiar sugeriu uma música.
      - Você quer o violão?
      - Manda aí. - as mãos desocupadas de copos passavam o violão para o garoto.
      Virou o que restava da cerveja, depositou a caneca ao lado. Limpou a garganta, preparou o violão, respirou fundo. Bastou a primeira rima da canção para deixá-la estupefata. Aquela voz agradava seus ouvidos de modo que, mesmo sendo uma das suas músicas preferidas, não conseguia acompanhar. Ou melhor, optou em não acompanhar para não atrapalhar. Não foi a única. Alguns cantavam junto, porém baixinho, apenas para sentirem-se no clima tanto quanto o cantor.
      De olhos fechados ele sentia o som e transmitia a sensação. A roda dançava apenas com a cabeça na harmonia que os dedos dele passavam pelas cordas. Ao fim, aplausos. Já ela, não contendo-se, urrou de leve. Todos gargalharam e urraram em apoio. O garoto pouco envergonhado, levantou-se e fez aquele velho agradecimento de ator depois que as cortinas se fecham e os personagens são guardados.
      Mais garrafas foram requisitadas e ela resolveu acompanhar sua amiga e seu amigo ao carro. Não estava muito longe, mas o isopor onde as cervejas estavam era pesado. Três pessoas eram o bastante para trocar o gelo e renovar as garrafas.
      Giovani perguntou pelas chaves:
      - Estão comigo. - ela garantiu.
      - Ela é mais responsável do que eu. Sabe como fico quando bebo, não é? - Laila falou já com a voz arrastada e a risada na ponta da língua.
      - Sim, Lai. Eu sei - a risada dele não negava a alteração que estava surgindo. Então ele envolveu os braços na dona do carro e beijou sua bochecha, enquanto Olive caçoava daqueles bêbados.
      Abriram o porta-mala que ainda continha garrafa o suficiente para o amanhecer. Adicionaram mais gelo, mais garrafa, mais garrafas.
      - Vamos fazer um brinde?
      - Brinde? Para - o soluço de Laila interrompeu sua fala - o que, Gio?
      - Para esta noite, ué. Vocês, eu, nosso lindo menage - risadas intermináveis do trio.
      - Até parece, não é? - disse Laila e Olive concordou.
      - Ei.. - uma voz externa entoou.
      Os três olharam curiosos. Era o garoto da voz contagiante.
      - E aí, cara? Mandou bem naquela música, viu?
      - Valeu, cara. - sorriu sem jeito para o bêbado Giovani - Rola um copo antes de vocês levarem para lá? Porque mal bebi. Essa gente parece que nunca mais vai beber na vida.
      - Claro! Toma aqui. - despejou na caneca dele, aproveitando para encher o copo das meninas e o próprio - Ah! Esse é o Hugo. Hugo, essa é a Olive e a Laila. Não sei se lembra da Laila.
      - A gente se conheceu no boliche há duas semanas, não foi? - ela confirmou - lembro sim.
      - Enfim! Estávamos fazendo um brinde, quer se juntar?
      - Com certeza, cara!
      - À noite inesquecível que estamos tendo!
      Todos brindaram e viraram seus copos até não sobrar nem uma gota para contar história.
      Isopor cheio, mãos à obra. Não havia necessidade, mas os quatro contribuíram no transporte do isopor pelos quarenta metros que os distanciavam da fogueira.
      Chegando lá, a música parou e todos comemoraram por ter mais cerveja para se embriagarem. Laila pegou uma garrafa e Giovani a acompanhou até a toalha que estavam sentados. Hugo olhou para Olive procurando lembrar daquele rosto, não teve muito sucesso:
      - A gente já se conhecia?
   
   

Friday, August 24, 2012

Falar, calar

      Cansada de começar tanto texto sem fim. Poderia juntar todos eles num só e fazer um corpo robusto, no entanto, sem simetria. É frustrante. Tantos pensamentos com beleza inicial e sem face no final. Vontade de representar raiva, amor, dor, tristeza. O que há de novo? Nada é novo, nada é velho. Tudo é renovado.
      O mais engraçado disso tudo são os clichês que tanto encontramos nesse século sobre cada um dos temas. No amor os olhos brilham e o coração acelera. Na tristeza as lágrimas caem e o peito dói. Na dor não há fim, muito menos esperança. Pegue um amor de oitocentos anos atrás, ele será tão diferente dos de hoje. Tão mais belo, mais idealizado. Queria poder ter aquilo. Aquela inspiração que inova, não renova, nem reutiliza.
      A vida vai mudando de monotonia em monotonia, que de alguma forma exercem algo extraordinário na nossa mente, na nossa personalidade. Queria subtrair meus bloqueios de escritas pessoais, mas não consigo. Apenas em comentar sobre bloqueios, me sinto expondo demais, me sinto insegura.
      Quem nunca teve medo de falar sobre algo que sentia lá dentro das entranhas? Até as pessoas que julgam ser um livro aberto, se esforçam para omitir algumas letras. Tantos segredos carregados por anos que algumas vezes morrem, outras são compartilhados no último segundo apenas para livrar do fardo. Já vi ateus se confessarem, medrosos sussurrarem no escuro. Os absurdos são inúmeros quando o assunto é "peso nas costas".
      As pessoas que cometem erros e os guardam no fundo do mar, vivem tempos querendo perdão, porém há o medo da rejeição. Até que chega o momento em que o peso é tão grande que elas passam a rastejar, e só a água alivia a dor. O peso não para de aumentar e elas resolvem mergulhar lá no fundo mais obscuro e libertam o que guardavam ali. Não mais querem perdão, desejam apenas descanso, alívio.
      De errado não há nada quando se trata do medo de se expor, o único problema é quando esse medo passa a ser maior do que sua coragem de viver. Há o limite da fala e limite do silêncio. A pergunta é: sabemos qual é esse limite?

Sunday, June 24, 2012

AÇÃO

     Vez ou outra a gente para e pensa que quer mudar. Nós mesmos, o mundo. Queremos fazer a diferença na humanidade. Tem gente que nasce para marcar a história, outros para marcar indivíduos. O que você prefere? Fazer uma singela grandiosa mudança no coração de alguns, ou tocar o coração do mundo?
      É uma vocação, sabia? Essa de ter um poder de liderança tamanho que domina de maneira positiva - às vezes negativa - cada cérebro são. Penso eu que os que se deixam liderar de maneira negativa se encontram em duas categorias: sem cérebro ou cérebro desprotegido.
      O que importa nisso tudo é que tenhas sanidade. Um cérebro bom faz boas escolhas, pode até liderar as pessoas que desejam fazer boas escolhas, mas são medrosas para começarem sozinhas.
      São momentos pontuais que nos incitam de maneira mais preponderante a querer fazer uma diferença durante nossa existência. Pode ser algo que presencias no dia, uma música que escutas, um filme que assistes, uma pessoa que conheces.
      Onde quero chegar com isso? Onde nunca chegamos: na ação. Depois desses momentos extraordinários que mexem com nossos pensamentos e sentimentos passamos apenas alguns minutos com aquela vontade extrema de marcar, de fazer algo pelo qual valha a pena viver. Não é verdade? Não julgo, já o fiz. Na verdade, o faço. Provável que eu seja uma dessas pessoas covardes que não conseguem tomar a iniciativa por conta própria.
      Muitas vezes vi vídeos que me fizeram chorar pela beleza da coragem, pela dor do arrependimento dos personagens, das pessoas que estavam sendo filmadas. Conheci seres humanos invencíveis. Não conheci um super herói como os quadrinhos mostram, conheci super pessoas. Uma mulher que teve seu filho levado pelas drogas e ao invés de ficar no luto por anos, tomou a iniciativa de criar uma ONG para evitar que os filhos de outras pessoas fossem levados por completo. Uma criança que tem dificuldade de falar, andar, escrever, porém não tem a mínima dificuldade de amar. Pessoas assim não lhe dão vontade de ser alguém melhor?
* o vídeo está com legendas em inglês. Vale a penas assistir.
      
      É apenas uma propaganda, no entanto, mexe tanto com nossos pensamentos, nossos ideais. Quais são seus sonhos? Neles está incluso mudar a vida de alguém para melhor? Ser alguém melhor para outra vida? Há uma frase que muitos já viram por aí, mas que vale a pena repetir para aqueles que temem fazer uma mudança em escala mundial: "Você pode não ser alguém para o mundo, mas pode ser o mundo para alguém".
      O que estamos esperando? Descobrir que temos câncer para ajudarmos crianças necessitadas? Olha, não precisamos do câncer para sermos melhores, nem precisamos ajudar de tal forma os desconhecidos. Há tanta gente ao nosso lado que só precisa de um suporte emocional, uma conversa sincera. Não devemos esquecer de outra coisa: podemos mudar a vida de alguém que nem conhecemos com um simples "Bom dia" acompanhado de um sorriso. São pequenas ações que podem ser grandiosas para quem precisa. Podemos ser grandes sendo pequenos, acredite.
      Agir, vamos? Vamos plantar uma árvore, cuidar de um pássaro que machucou a asa, abraçar alguém que chora, sorrir para quem está feliz. Fazer o bem, ser o bem.

Friday, June 8, 2012

Valéria.

      Era difícil olhar sem poder tocar. Queria abraçar aquele corpo, cheirar aquele cabelo, mas não podia. Havia prometido apenas observar, pelo menos por um tempo.
      Olhos revirando de prazer. Olhos cansados com a tortura. Tentou participar da brincadeira, porém ela não permitiu. Ela suava, ele também. Semi nua, vestido. Entregue, tentado. Não demorou muito para o controle ser perdido pelo resto da casa e ele pular com tudo que tinha a procura dela.
      Desistiu de deixá-lo à beira do precipício, afinal já havia sufocado demais. Deu-se por vencida a suas vontades, seus desejos, seu tesão. Desabotoou o primeiro da camisa enquanto ele corria ferozmente a boca naquele corpo pálido e torneado.
      Já era tarde demais para dominá-lo quando finalmente conseguiu tirá-lo daquela blusa. Puxou a calcinha daquela ninfeta com pressa. Ela deu um risinho promíscuo de retribuição, algo que atiçou mais o fogo daquele rapaz.
      A língua dele trabalhava rapidamente no lugar que ela mais sentia satisfação. Um único ponto, único botão, que fazia percorrer arrepios por toda superfície fria da mulher que ele lambia sem cansar. Os gemidos baixos alternados com altos, despertavam mais e mais o apetite dele.
      Puxou aqueles cachos morenos para seu nariz, depois levou boca à boca. Lábios frígidos provando o calor. Ele em cima dela com unhas em suas costas. Era inevitável acompanhá-la nos arrepios depois de tanto estímulo.
      Desvencilhou-se daquelas garras para ter uma visão completa do que estava prestes a acontecer. Seria uma explosão de sensações misturada com um pontada de sentimento não correspondido. Sabia que estava fodido, então por que não fode logo de vez?
      Jurou a si que pelo menos iria se fazer inesquecível de alguma forma para aquela dona das madeixas de fogo. Deu o melhor de si, enquanto ela dava tudo dela. Pegou em cada centímetro que podia, pois sabia que não ia ter outra chance. Capturou o cheiro ingênuo de antes e o imoral do depois. Os olhares perdidos lhe desestimulavam de maneira leve, tão leve que logo esquecia do desinteresse alheio em seu olhar. Continuava indo e vindo sem parar.
      Despidos olhando para o teto. Ela levantou e foi embora. Sabia que não a veria mais, não daquele jeito. Talvez com sorte, isso se repetiria. Deixou que ela partisse sem reclamações. Tinha tempo de sobra para fechar os olhos que repassar tudo de novo em sua cabeça. Respirar o hálito úmido, sentir nas mãos os seios pequenos, costas sendo arranhadas com as unhas grandes, cabelo arrancado pelas mãos maldosas. Ainda sentia tudo tal e qual como foi. Poderia esperar um ano, assim pensava. Investiria numa próxima vez? Em um próximo sufoco? Valeria a pena tê-la por uma hora, depois perdê-la por seis meses? Valeria...

Thursday, June 7, 2012

Incrédulo II

      Era manhã e não estava atrasado. No dia que chegasse tarde no trabalho só poderia estar quase morrendo ou pretendendo demitir-se. Não amava o que fazia, apenas fazia. Chegava cedo por obrigação, cumprimento de regras, nada mais.
      - E aê, moleque? - foi dito por aquele amigo, não amigo, chato demais para ser respondido.
      Sentou a sua mesa e começou suas atividades intermináveis do dia.
      Trabalhava sob pressão, não sucumbia sob pressão. Era aclamado por seus colegas, elogiado pelos seus chefes. Não era chefe, pois não lhe caía bem. Tomar conta do trabalho alheio, dar ordens, expressar opiniões de maneira rude, eram coisas que não lhe apeteciam.
      Seus dois melhores amigos o esperavam para almoçar e comentar sobre o final de semana que tiveram: falar da gostosa que levaram para casa, quando na verdade deveria ser uma mulher como outra qualquer, sem muitos atrativos, pois era apenas esse tipo que aqueles dois conseguiam fisgar.
      O resto do dia se arrastou correndo como todos os outros. Ao chegar em casa preparou o jantar. Um exímio cozinheiro graças à sua mãe. Apesar de solitário, não agravava mais esse quadro comendo sozinho numa mesa de quatro lugares. Apenas sentava em seu sofá confortável enquanto assistia alguns programas sem muito favoritismo.
      Uma semana como a dele chega a ser deprimente para a maioria das pessoas, não tem graça ao ser contada, mas aí que mora a peculiaridade, ninguém quer saber de uma história massante do cotidiano. O interessante, no entanto, é que nenhuma história é massante o suficiente ao ponto de não merecer ser contada. Todo mundo tem pelo menos um ápice que merece ser citado em sua vida. O desinteresse com o que acontece é o que há de contagiante na vida desse homem.
      No dia da sua entrevista de emprego, perguntaram:
      - Qual foi uma das maiores aventuras da sua vida?
      - Foi no dia que fui comprar uma barra de Sneakers na máquina, mas ela estava com problemas. Então, caíram duas.
      Impossível entender como isso, de certa forma, ajudou na sua contratação. Seu local de trabalho requer muito movimento e criatividade. Os chefes estavam cansados de ouvir aventuras tão emocionantes que soavam claramente irreais. A sinceridade na voz dele ao responder soava como um sarcasmo, porém sabiam que não era. Isso impressionou.

Balançar

Aquele balanço velho
Que não brinco mais
Uma olhada no espelho
Um coração, jamais

O galho fino que o segurava
Partiu-se em dois um mês atrás
Um no chão, o outro voava
A saudade que você me traz

Não há como reparar
As cordas rasgando
Vamos continuar tentando
Ou, finalmente, cansar?

O vai-e-vem desistiu
Sentou e caiu
Ninguém viu
Você partiu

Quem vai empurrar
Se ninguém quer brincar?
Prefere a roda gigante
Ao meu amor inconstante

Aquele balanço velho
Que vi na foto ontem
Hoje, me deu um conselho
Disse que você não vem

Saturday, May 5, 2012

O amor que queres

Se é um amor literário que queres
Escrevo-te séries deles
Proporciono dores minimizadas do Caio F.
Pois meu amor não é malandro como do Chico
Serei um Vinícios que entrega rosas do Pessoa
Apenas se tu regá-las até a última gota, Clarice.
Então, perdoarei como a Carolina.

Acordar-te-ei no meio da madrugada
Com o trim trim do seu telefone
Apenas para desejar-te uma magnífica noite.
Pela manhã, levarei pães, queijos, sucos
Direi que é tudo por saudade,
Mas na verdade é apenas para garantir tua saúde.

Na privacidade vou despir-te, tocar-te
Acarinhar teu ego, vestir teus desejos.
Sem medo, sem vergonha, com vontade.

Vou deixar teu apartamento todo revirado
Usar a justificativa de que estava atrás de minhas chaves
Quando, de fato, estava procurando vestígios
Pistas da infidelidade do teu sentimento.
Por que?

Meu amor vai convencer teus amigos
Teu melhor amigo vai aprovar
Serei teu amigo, amante, conselheiro.

Minhas mais belas cartas serão para ti.
Derrotarei qualquer monstro que decidir te fazer mal
Nosso amor será eterno.
E nossa eternidade será para sempre.

Todo santo dia vou abrir teu coração
E enchê-lo de elogios.
Conquistá-lo para mim.
Será todo e apenas meu.
De noitinha vou acalmar teus sonhos
Amar teu ronco, teu domínio.

Entregar-te-ei o amor que pedes
Com mil canetas e mil papéis.
Tendo certeza de que essa história
Nossa história, nunca deixará de ser escrita.

Tuesday, May 1, 2012

Quando eu..

      Engraçado isso, não é? Sua capacidade de me deixar voando nas nuvens, sentir a brisa suave acariciar minhas bochechas, olhar tudo e todos de uma maneira diferente, sob uma perspectiva nova. A única coisa que consigo fazer para retribuir tudo que fazes por mim é sorrir. Não que eu não possa tentar fazer o mesmo, ou até melhor, mas é um reflexo que tenho, todo ser humano tem, abrir um sorriso sincero quando a felicidade chega sem medo.
      O tempo é aliado de muitos, estou mentindo? Pena que conosco ele só mostrou ser inimigo. Apesar das boas horas que passei ao teu lado, quanto mais ficava contigo mais percebia a bomba-relógio que somos. Meio desastroso perceber que seu maior motivo de viver pode ser, também, a razão da sua morte.
      Não foi de uma hora para outra que notei que estávamos cavando nossa própria cova. Foi aos poucos, sabe? Bem pouquinho mesmo. Fui me enganando e driblando as evidências de que um dia iríamos explodir.
      Eu chorava, você me abraçava, dizia que tudo iria ficar bem. No entanto, sabíamos lá no fundo que "bem" não era uma palavra presente no nosso elo. Você chorava, eu limpava suas lágrimas dizendo que não havia necessidade delas estarem em seu rosto. Sabíamos, porém, que tudo que nossos olhos deveriam ver eram imagens embaçadas pela água que eles guardavam.
      Já tentamos evitar tudo isso de maneiras diversas. Traiu meus beijos, enganei teus braços, brincou com minha confiança, destrocei a tua. Separamos nossos caminhos para  sempre voltar para o mesmo campo de batalha e travar a mesma guerra.
      Pergunto-me quantas vezes ainda vamos insistir num jogo que só tem perdedores, não pensa nisso também? Sei que podemos tentar desistir mais do que queremos, mas sempre vamos retornar ao início como se nada tivesse acontecido, ou como se tudo estivesse sumido por segundos. Xingamos, odiamos, brigamos, regressamos, amamos, rimos. É sempre assim, um vai-e-vem de bom e ruim, onde o ruim é tão forte que anula o bom, o qual não cansamos de correr atrás.
      Em horas meu otimismo me faz acreditar em suas promessas e em minhas palavras. Em outras, a realidade é tão cruel que me canta o tique taque do nosso relógio explosivo. O que me mata aos poucos é não saber quando nos assassinaremos por completo.

Thursday, April 5, 2012

Incrédulo

      Abandonava cada pedaço de conquista que poderia existir em sua vida assim que podia. Via galhos distorcidos em uma árvore saudável, por isso não a escalava. Vivia na sombra dos que conseguiam chegar ao topo e contentava-se com a ausência de luz em si. Não era completamente escuro, nem inteiramente iluminado, era apenas um meio termo.
      Vivia de incompletos, médios e básicos:
      - Seu café é forte ou fraco?
      - Café.
      - Sua carne é bem ou mal passada?
      - No ponto.
      Não era exigente, nem determinado. Fazia o suficiente para continuar vivendo. Tinha amigos, poucos deles, mas tinha. Morava só em um apartamento pequeno. No banheiro, uma escova de dentes. Na cozinha, um prato, um talher, um copo.
      Vagava por aí à procura de nada e via tudo. Pequenas coisas que olhos famintos e saciados não visualizam. Uma flor sem pétalas vítima de um "bem me quer, mal me quer", um livro provavelmente bom esquecido no banco da praça, uma marca mal lavada de batom na blusa do chefe, a blusa surrada do chefe na secretária. Pouco lhe importava o que notava, não comentava com ninguém, apenas guardava para si.
      Conheceu alguém no ponto de ônibus que lhe pareceu interessante, mas usava meias trocadas com tênis lavados e aquilo lhe pareceu muito contraditório para comentar algo além de:
      - Suas meias não combinam.
      Subir logo em seguida no ônibus que passava com a cara mais indiferente do planeta e perceber que aquela estranha havia ficado para trás, levemente confusa, visivelmente preocupada.
      A garçonete da cafeteria sempre sorria com sua resposta. Sempre mandava seu telefone em um guardanapo enquanto entregava o pedido e olhava ansiosa ao disponibilizar a conta. Mesmo preço toda segunda e quinta, mesma gorjeta, mesmo celular que nunca recebia ligações daquele cliente.
      Expressava pouca opinião em assuntos polêmicos, preferia ouvir o que os outros tinham a dizer. Era um homem de poucas palavras, poucas atitudes, poucos reflexos. Taciturno, atraente, apático.
      Esbarrou em uma comprometida com a aliança na mão direita. Era um desligado que notava os detalhes.
      - Desculpe-me.
      Os lábios vermelho-sangue contorceram-se em um sorriso:
      - Sem problema.
      Já ele forçou um sorriso para retribuir. Continuou seu caminho para o bar enquanto ela saía com três canecas de chopp. Pediu sua água usual e voltou para a mesa dos seus amigos.
      Dois homens que reclamavam da solterice, mas o melhor elogio que conseguiam dizer para uma mulher era o quanto a blusa que ela usava era bonita quando olhavam para os seios fartos indiscretamente.
      Gostava daqueles idiotas, mesmo sendo tão diferente. Achava divertido a maneira como eles falavam do sexo oposto. Nunca discordava ou concordava, apenas sorria dos comentários de baixo calão.
      - Por que você não pegou o telefone daquela gostosinha que você esbarrou?
      - Não vale a pena.
      - Como não? Peitos no lugar, bunda grande. Eu comia.
      - Comprometida.
      - Não tenho ciúmes.
      Risadas altas daquela velha piada. Ele apenas ignorou a comédia velha e sem graça, quase tão sem graça quanto o comediante que estava no palco contando piadas mais velhas que aquela vovó surda que sempre perde a dentadura.
      Olhou em volta. Todos do bar riam daquelas piadas de livro de criança, menos a garota da aliança. Apenas olhava para suas amigas e fingia gostar daquele homem no palco tanto quanto elas. Ele viu a falsidade das poucas risadas dela e aquilo lhe chamou atenção.
      Quantas vezes ele havia visto olhos castanhos tão gélidos? Quantas vezes cabelos loiros eram tingidos de preto? Ela parecia querer fugir daquilo que todos gostavam. Bebia cerveja em um bar tentando esconder a cara feia em cada gole, tentava manter-se focada nas conversas de suas amigas, pouco falava, mas quando falava parecia demonstrar tanta maturidade, tanto conhecimento, que suas amigas silenciavam por algum tempo pensando "isso é tão óbvio, como não pensei isso antes?".
      E aí ele sonhou com uma casa menos vazia, um banheiro com duas toalhas, uma cozinha com velas na mesa. Viu uma aliança em seu dedo, um batom vermelho-sangue em sua camisa. Sonho simples para a maioria das pessoas, mas algo muito fora do comum para ele.
      Voltou à realidade. Aparentemente não havia perdido muito nos poucos segundos que foi longe em pensamento. Até que olhou para o lado e seu sonho não estava mais sentado à mesa. Deu de ombros e foi como se nada de extraordinário tivesse acontecido naquela noite. Mal sabia ele que aquilo logo seria além do ordinário...

Sunday, February 26, 2012

Falsear

      Um lugar para chamar de meu, pois nem pensamentos satisfazem tal vontade. Mirar o que a janela guarda e ver a infinidade de oportunidades. Imaginar-se cumprindo todos os deveres e realizando todos os sonhos, mesmo assim não expressar um sorriso de vitória.
      É o tédio constante que me torna quem eu sou. Sou covarde o suficiente para culpá-lo de todas as vezes que quis ser feliz e sentei meu ego. Sempre que surgia a ocasião perfeita para gritar de felicidade, eu calava de rancor.
      A infância movida de instintos, adolescência de emoções, fase adulta...
      Ao longo dos anos a vida ia piorando e a luta ficando muito acirrada para mim. Apavorei minhas forças, elas esconderam-se debaixo das cobertas. O escuro, no entanto, não é monstruoso, a claridade que intimida. Ver tudo como tem de ser visto acaba por cegar olhos fechados. Prefiro enxergar o breu aos contornos bem definidos das silhuetas sinceras, pois a sinceridade é uma virtude que me machucou com muita frequência. Hoje, então, escolho a ausência de verdade - não necessariamente a mentira - apenas pelo medo do que ela pode proporcionar.
      Vivo no silêncio das palavras a fim de encobrir o turbilhão de ideias que minha cabeça produz. Não expresso emoção alguma diante de situações que aceleram tal turbilhão, apenas para ser imparcial, apenas para não criar vínculos e continuar na minha solidão. Minhas fraquezas já me dominam de forma que nenhuma força externa possa vencer, nenhum estímulo interno pode modificar.
      Passo a achar tudo desinteressante e em certos momentos até me vem uma vontade de fugir do ócio, fugir daqui. Quando falo em fuga, não me refiro apenas ao escape mental ou emocional, falo do físico também. Visitar outro continente poderia me fazer bem, poderia me dar algum motivo além do que já imaginei para ser forte outra vez. Porém a fraqueza, como eu já disse, é muito forte. O que é irônico, pois eu sou fraca porque a fraqueza é forte e procuro forças para enfraquecer minhas fraquezas.
      Chame de covardia, medo, o que quiser chamar, mas tudo que sei fazer é nada, e quando penso em fazer tudo, nada me satisfaz. Contento-me com o ócio da rotina e a mesmice das surpresas. Nada me surpreende de fato, mas faço com que os outros que insistem em fazer parte dessa minha monotonia acreditem que me deixaram admirada.
      No dia que decidi ser essa tela em branco, percebi que estaria sempre atuando. Fingir que vive quando na verdade está morta, não é uma das maiores facilidades. Morri por dentro por não ter coragem de matar o todo.

Sunday, February 12, 2012

O "x" da questão

      Nasci para ser essa incógnita que todos vêem como o mais decidido ponto final. É uma máscara fácil de ser usada e derrubada, no entanto ninguém consegue ver com clareza o caminho que deve seguir nesse bifurcação ao me conhecer.
      Faço um investimento em um presente de futuro incerto, mas quem não o faz? A única diferença é que não quero investir onde aposto minhas fichas e sou levada pela sorte, ou falta dela. Quando acho que não sei o que não quero, para finalmente descobrir o que quero, todas as cartas somem da mesa. Enquanto as procuro, canso minha mente e meu corpo. Ao descansar, encontra-as. O problema? Elas estão embaralhadas.
      Parece drama, porém não é. Essas interrogações me perseguem, não o contrário. Garanto que já tentei fugir, tentei agarrar-me a um ponto final, até já encontrei alguns, mas eles vinham seguidos de um traço semi-curvado.
      Essas palavras não fazem parte de um desabafo, estão mais para um explanação. Já estou conformada com eterna incerteza de minhas decisões, pois vou amar sem querer, querer sem poder, ganhar ao perder, chorar sem porquê, sorrir por dever. Serão verbos sem nexo com motivos inexistentes. Nunca farei sentido como os outros. Ninguém faz sentido, ninguém se define, ninguém se encontra por completo. Eu faço oposto, eu me erro, eu me perco por inteiro.

Wednesday, January 18, 2012

Eterno fim

     Essa é a última vez que permito sua fraqueza perante nosso relacionamento. Dissemos a mesma coisa nos quatro últimos retornos, mas dessa vez é de verdade. Dissemos isso também, só que das três últimas vezes. Não posso mais deixar que você rasteje por nós, disse isso das últimas duas vezes. Sei que fiquei calada na última vez e apenas abri meus braços para confortar nossa fábula, mas hoje eu falo. Tudo que havia dito antes e até o silêncio deixado no ar, digo agora.
     Você pode me perguntar o que tem de diferente dessa vez. Por que esse misto de tudo que já foi proclamado com um pouco mais de convicção? As coisas entre nós não são mais as mesmas, não somos mais os mesmos. No entanto, ainda preocupo-me com seu bem estar o suficiente para deixar o meu à deriva. Os sentimentos que antes embalavam nossos corpos numa melodia sincronizada, agora provavelmente dançam ao som de uma guitarra de cordas quebradas.
     O que precisamos definir aqui é o ponto final que não se torne reticências. Sei bem meus motivos para não aceitar mais suas declarações, porém minha sensatez torna-se deficiente diante dos meus instintos. Treinei minha mente para frear meu coração, por isso digo que essa é a última vez antes de puxar o freio de mão. Entenda que isso é apenas uma prevenção para que não haja um choque da nossa sanidade por estarmos enebriados com esse vício que o amor nos causou.
     Finalmente vou estar imune às suas lágrimas e isenta de compaixão. Seguiremos em frente com memórias boas e lições de vida. Prometo que vamos sorrir tanto quanto costumávamos, só não teremos mais o mesmo motivo de felicidade.
     Não me odeie. Tudo bem, pode me odiar, talvez isso lhe ajude a superar. Um dia você haverá de entender o quanto é massacrante enxergar a ilusão nos teus olhos com a realidade dura dos meus, sentir tua pele esperançosa na minha carne desmotivada, beijar teus lábios abertos com meus braços cruzados. Machuca meu interior, fere minha moral saber do teu desejo certa da minha repulsa, mas se é mais uma chance que você quer para provar a nossa disfunção, é isso que terá.

Friday, January 13, 2012

Anexar

     Uma fala mansa sem muito nexo que mantinha corações aquecidos e bocas abertas. O domínio de palavras desconexas que formavam sentido único de pessoa para pessoa. Se um dia feriu, não foi por mal, foi intuição do que precisava ser dito.
     A pessoa detentora de tanta sabedoria e pouca vivência deveria no mínimo passar por estudos avançados sobre o funcionamento da mente. Era isso que os que escutavam suas colocações tendiam a pensar. A indagação eterna do porquê alguém com pouca experiência conseguia entender com mais amplitude uma situação tão dependente do agir.
     Observação engatada à dedicação é a resposta mais simples para tal dúvida. Muitos tendem a desmerecer momentos alheios e tão públicos, muitos tendem a achar que respirar fundo é só falta de ar, coçar o nariz é só um sinal de desconforto, piscar os olhos vagarosamente é só cansaço. Muitos estão errados.
     Refletir menos e agir mais, leva a erros inconscientes e difíceis de serem corrigidos sem auxílio de bons observadores. Por isso apreciam tanto esses conselhos aleatórios e tão bem interpretados, pois apenas parecem incertos e impensados, são, no entanto, mais diretos e particulares do que possam soar.
     Vale ressaltar que observadores que se prezem duvidam da sua própria capacidade de interpretação, apenas por saberem que nunca há um fim nos estudos da mente e do corpo humano. Sabem que um gesto geral é sempre muito individual. Reconhecem a dificuldade, mas a encaram com facilidade.
     Impaciente, pouco atento? Não agarre-se com unhas e dentes a opiniões construídas por esses telespectadores da vida, porque nem tudo é perfeito, ninguém é perfeito. Confie, acredite, pondere as ideias, mas não aposte todas as suas fichas em palavras espertas. Aprenda a ser menos dependente da esperteza alheia para compor sua própria fortaleza de sabedoria.
     "A vida passa depressa enquanto você espera, mas vira uma tartaruga quando encontra o tédio."
     O que você precisa fazer agora?

Thursday, January 5, 2012

Nome próprio

     Dizer que tudo que passamos foi uma perda de tempo quando chegamos àquele fim lamentável, seria mentir para mim mesma. Mesmo sofrendo e chorando todas essas lágrimas que estavam obstinadas a me acompanhar por um bom tempo, não me arrependo. Aprendi muito com meus erros, perdoei muito os seus. Dancei muito com o balançar da sua cintura, cantei muito as músicas da sua voz.
     Já foi, você já foi, nós já fomos. O tempo cuidou das feridas que você me fez. Eu segui em frente, assim como você. Tive momentos intensos com outros, ocasiões em que você nunca estaria comigo. Passei dias, meses sem você na minha cabeça. Arranquei a parte do meu coração que tinha seu nome tatuado.
     Proferi seu nome umas duas vezes no mesmo dia e fui colocada contra a parede por pessoas que nos conheciam. Diziam que eu ainda era toda sua e que você não sairia de mim. Sempre neguei, você já havia ido embora, eu tinha certeza. Ninguém poderia tentar provar-me que o "nós" contigo ainda pairava em meus sonhos, pois estava certa de que eles estavam errados.
     - Você ainda gosta dele, não é?
     - Não.
     - Será que você consegue passar um dia sem falar o nome dele?
     Um dia. Único, fora do normal, quebra de rotina, falo seu nome e já é motivo de acusação. Só por ter acabado tudo que havia entre nós, não significa que tem que acabar também a relação entre o meu nome e o seu? Não podemos estar na mesma frase, muito menos no mesmo recinto?
     Já me apaixonei duas vezes depois de você. Juro pela vida de todos que amo que esses outros dois já foram mais donos de meu coração, mais domadores dos meus pensamentos, mais presentes em meus sonhos, do que você conseguiu ser.
     Cisma é uma coisa irritante e é isso que tem me deixado tão estressada. Saber que tem gente que me conhece tão bem, mas perde toda a inteligência acerca de quem eu sou quando ousam falar dos meus sentimentos ainda existentes por ti.
     Sentimento é uma coisa que não nos permite controle, e eu tenho controle sobre o efeito que você causa em mim. O que há é uma saudade do que fomos, carinho pelo que você foi, decepção pelo que você fez, mas tudo controla-se é uma parceria. Quero seu bem, mas é impossível ser sua amiga, simplesmente por já ter sido algo mais.
     É apenas pensamento. Não passa disso. Pensamento pode ser involuntário, mas ele não me domina, como um sentimento faria. Pensamento pode ser intenso, mas ele não me enfraquece como um sentimento poderia. É muito simples para mim. Pensar em você raramente, gostar das memórias em que você está presente, mas não querer te beijar, te abraçar, te fazer rir, pois sei bem que não será como antes. A maneira que poderia ser agora, não me agrada. Prefiro não ter nada a ter do jeito que o futuro prometeria.
     Nossos amigos não entendem que é possível saudade sem dor, carinho sem amor, decepção sem raiva. Prefiro ficar calada e ouvir suposições absurdas, afinal, como explicar que tirei você do meu coração, mas não do pensamento?

Sunday, January 1, 2012

Parede branca

   Uma vez li em uma revista daquelas pseudo intelectuais, assim como eu, que o sonho está diretamente relacionado com a posição que você está ao dormir. Aconselhava que a pessoa continuasse na mesma posição ao acordar para que o sonho ficasse mais nítido em sua mente por mais tempo, e ali mesmo que ela anotasse em um caderno qualquer cada detalhe lembrado da história fictícia que ela viveu enquanto estava de olhos fechados. Isso, é claro, se quisesse tal devaneio mais próximo de si, mais distante do esquecimento.
   Em um momento bobo de reflexões inúteis veio-me um pensamente espetacular, ao menos foi o que achei. Lembranças são semelhantes aos sonhos, mais do que podemos imaginar. Um cheiro, uma melodia, uma paisagem, podem remeter-nos a tempos passados, os quais causam efeitos em nós. Alegria, tristeza, dor, saudade, arrependimento. O sonho pode nos enviar a essas lembranças ou provocar vontade de torná-los tão reais quanto elas.
     Um sonho é evitado de ser perdido se você permanecer da mesma maneira que se encontrava quando o teve, uma lembrança é evitada de ser esquecida se você colocar-se na mesma posição que estava quando a viveu. Recordações podem ser nítidas ou em partes. Por mais maravilhoso e marcante que tenha sido um momento, nem sempre você lembra cada mísero detalhe da cena, no entanto, quando lembra, a revive. Ressurgir em momentos como esses parece ser tão real quanto um sonho. Você apenas se dá conta que os dois não são tão palpáveis quanto parecem ao abrir os olhos.
     O perfume das orquídeas daquele jardim assemelha-se ao cheiro da colônia de sua amada; uma frase dita de uma maneira única evoca um sonho que vira déjà vu; uma música sem muito sentido é interpretada com facilidade por levar-te a uma manhã em que você presenciou uma esquisitice não tão rotineira. Muito do que sonhamos queremos viver, muito do que vivemos preferíamos que fosse pesadelo.
     Fechamos os olhos para voltar no tempo e criar uns tempos. Abrimos a mente para ressuscitar histórias e inventar diálogos. Lembramos do passado, sonhamos com o futuro. Perspectivas diferentes com efeitos análogos.