Sunday, December 2, 2012

Num estalar de dedos

      Seus dedos caminhavam de maneira incessante pela parede branca. Era uma esquisitona, provavelmente recém-saída de um hospício, eu diria. Algo muito anormal fazia com que meu olhar se fixasse naqueles dedos corredores, naquele cabelo escuro e lambido. Hipnose. Aquela cena era meu espiral preto e branco. Era o relógio indo de um lado para o outro e fazendo: tic, tac, tic, tac.
      Não era a cafeteria mais chique do mundo, nem a mais acabada.O bom mesmo era o café mais amargo que minha vida. As mãos pararam abruptamente e pousaram na mesa rabiscada. A cabeça começou a se movimentar no sentido anti-horário.
      - Deseja mais alguma coisa, senhor? - hipnose interrompida.
      - Não. Por enquanto, não. Obrigado.
      Tic, tac, tic, tac. Aqueles olhos passaram a me fitar. A hipnose ficava mais forte e eu começava a suar frio. O mundo se apagou. Eu e aquela espiral, unicamente. Sua face insana revelou, de alguma maneira, curiosidade. Algo me perguntava o que eu fazia ali. Uma voz suave e ainda assim aterrorizante. Ela queria saber. Sem resposta. A voz enraiveceu e respondi em pensamento que não sabia. Então, ela logo se aproximou. Não fisicamente. Continuava no mesmo lugar. Sentada perto da parede. Era só sensação que me garantia que ela estava ao meu lado.
      Minha retina ressecava e só então eu percebi que já não piscava há um tempo. Ela só poderia ser uma bruxa usando algum encantamento seu na minha mente franca. Forçava minhas pálpebras para baixo e não saiam do lugar. Meu globo ocular não fugia dali. Parecia congelado naquela posição e isso me condenava a olhar aquela estranha mulher. Era um beco sem saída. A cara pálida sem qualquer expressão me deixava aflito. Aos poucos tentava lembrar o amargo do café só para ter certeza de que ainda estava ali. Foi em vão. Minha mão alcançou a xícara que eu nem sequer conseguia enxergar para mais um gole, no entanto meus sentidos estavam confusos e acabei por derrubá-la no chão.
      Olhei para baixo. A cafeteria voltou, os ruídos da cidade também. Prontamente a garçonete pegou a vassoura e começou a juntar os cacos. Pensei em ajudar, mas a voz continuava ali:
      - Não.... não.... não....
      Tic, tac, tic, tac. Minha cabeça começava a virar para que meus olhos pudessem achar a mulher novamente, mas eu lutava. Tic, tac, tic, tac. Sentia o suor saindo dos meus poros, mas não me rendia. Tic, tac, tic, tac! Não queria aquela sensação escura mais uma vez! TIC, TAC, TIC, TAC. Ela venceu e a escuridão retornou. Dessa vez era diferente. Não era possível vê-la, apenas escutá-la. Não entendia muito bem o que queria dizer, mas meu corpo não estava imóvel dessa vez, na verdade, ele movia-se sem minha permissão. Minha pernas levantaram-me e dei dois passos em uma direção que já não sabia mais qual era. Minha mão começou a deslizar em direção ao meu bolso e pude sentir frio. Meu dedos agarraram algo e puxaram para fora da minha calça, revelando uma pistola. Comecei a ouvir gritos além da voz que parecia me guiar. Enquanto erguia meu braço, os gritos aumentavam. Posso jurar que comecei a ouvir choros de desespero. Eu não queria fazer aquilo. Tentava perguntar por que raios eu estava segurando uma arma e ela não me respondia, continuava com aquelas palavras irreconhecíveis.
      O indicador começou a disparar. Eu continuava sem ver qualquer coisa que fosse, mas os gritos de medo me preocupavam. O que eu estava fazendo? Não queria atirar em ninguém! Tentava balbuciar algo parecido com um pedido de desculpas, mas não podia controlar músculo nenhum do meu corpo. A arma disparava e cada vez que isso acontecia meus pensamentos eram mais gritantes. A voz lá dentro se mantinha no mesmo tom, na mesma velocidade e isso fazia com que minha agonia aumentasse. Eu estava realmente matando as pessoas que estavam naquele estabelecimento? Não poderia fazer isso! Meu indicador puxou o gatilho mais uma vez. Nenhum disparo. Senti meu corpo perder forças e cair.
      Levantei minha cabeça da mesa. O café quentinho me esperando. Sem pistola no bolso. Todos sorridentes como antes estavam. Olhei para a mesa que a louca estava. Ninguém. Minha respiração ofegante virou alívio. Bebi meu café e fui pagar a conta no balcão. Escutei uma risada maliciosa e resolvi olhar para trás. Lá estava ela, no mesmo lugar, seus dedos correndo pela parede, olhando para mim. Tic, tac, tic, tac.