Tuesday, February 26, 2013

Necessidade

      O tempo que faz da gente o que somos no presente e deixaremos de ser quando isso for passado. As coisas que ele deixa passar despercebidas, as coisas que ele nos dá, as coisas que ele nos tira, um dia cada uma delas virá ao pensamento. Algumas são recordadas apenas uma vez, outras insistem na mente. O que sempre me perseguiu foi a saudade. Houve um tempo que morria por sentir falta de pessoas que costumavam viver ao meu lado, mas tinham feito a besteira de irem morar longe. Senti falta dos bens materiais que haviam sumido, quebrado, seja lá o que fosse. Às vezes eu sou materialista, sim! Vou mentir para que?
      Hoje eu sinto saudade de algo que ontem era minha única sustentação, minha única base de apoio. O tempo me tirou o tempo de ter amizades como eu gostaria que tivesse. Queria ter aquela amizade que te deixa acordado a noite toda morrendo de gargalhar apenas com uma conversa boba pela internet, também gosto da ideia daquela amizade que nasceu para nunca mais morrer, aquela que mesmo distante ainda permanece forte. Imagina um velhinho contando as aventuras que teve com seu amigo da juventude para seus netos? Amigo que pode ter se distanciado ou continuar por perto, não importa. Amigo que marca. Quero isso. Queria aquele grupo de amizade que faz o bullying interno e não há ressentimentos. Morro de inveja daquelas pessoas que têm amigos que enchem o quarto do outro com fotos e objetos do artista mais odiado da pessoa apenas para pregar uma peça no amigo. Apenas para travar uma guerra divertida e sem fim. Quero aqueles amigos que te enviam fotos engraçadas simplesmente para te divertir, ou porque aquilo, mesmo não sendo engraçado, já foi alvo de piada. Quero aquele amigo que te liga desesperado pedindo ajuda para comprar o presente da namorada, ou aquela amiga que está sempre enrolada com alguém e vive te enlouquecendo com as neuras dela. Estou com vontade de ter amizade forte e eterna. Vontade de ter um amigo que grite comigo de raiva, cuide de mim quando eu estiver doente, faça maravilhosos elogios quando o espelho me mostrar coisas ruins. Amigo para todas as horas, amiga bem-humorada, amigo que vive mandando SMS, amiga que me acorda no meio da noite para pedir conselho, ou até mesmo para me dizer que a festa está bombando e eu estou perdendo.
      Sinto saudade de amigos, de ser insubstituível na vida de alguém. Sinto saudades de ser o desempate na dúvida de alguém, ser aquele ombro amigo que nunca falha, ser a fonte de sabedoria mais confiável para todo e qualquer conselho. Gosto da palavra amizade, ela engloba tantas outras, o que a torna ainda melhor. Olha que maravilhoso, em uma palavra você poder dizer tanto de alguém: "ele é meu amigo". Não é maravilhosa a primeira vez que você escuta alguém dizer isso de você? "Caramba! Eu significo tanto para essa pessoa?". Foi uma palavra que fez você sentir ter pelo menos um pingo de importância na vida daquela pessoa.
      Amigos, amigas, amizade... Saudade.

Friday, February 15, 2013

Sua turbidez

      - Quero poder te ler com a palma da minha mão. Olhar nos teus olhos e ver teus pensamentos, dos mais serenos aos mais obscenos. Beijar teus lábios de inverno e sentir o calor de julho. Sei que sua frigidez é só fachada, meu amor. Mas, por favor, para de tentar se enganar. Eu vi quando sorriu na hora em que falei que seu cabelo bagunçado é a visão mais fofa que já tive. Ouvi seus gritos internos quando seu pai faleceu. Pode dizer que ele era um velho resmungão, nada vai apagar o amor e carinho que você sente por ele. Eu sei que não! - a voz trêmula juntou-se às lágrimas que já ameaçavam pular fora - Eu... - suspiro - Desculpe.
     Deu as costas para a coragem. Todo seu plano arquitetado não passava de um edifício mal construído que em poucos segundos sumiu em cinzas. Estava desistindo por não ter forças para continuar falando tudo que estava engasgado há tanto tempo. Ele estava alucinado por aquela garota e isso o levava à loucura. Não sabia ao certo se o sentimento em si lhe fazia digno de se internar em um hospício, ou se as reações dela ao sentimento dele eram a causa. O que mais importava era que falar não parecia mais funcionar. Nunca havia funcionado com ela. Teimosa e amante dos fingimentos. Não era falsa ou mentirosa como uma uma vilã de novela, a não ser que ela se chamasse Novela, aí sim. Ele entendia que ela já havia sofrido demais ao longo da curta vida que ela viveu, mas não entendia como ela podia sabotar as realidades com medo das falhas futuras. Ela dizia:
      - É a obsolescência programada.
      Essas palavras emputeciam os nervos calmos dele. Ela jogava a culpa na vida e nas pessoas que a rodeavam, porém estava mais do que óbvio que o responsável por essa programação era ela.
      Pensando em tudo isso e mais um pouco, os pés dele seguiram um comando oposto ao previamente enviado. Meia-volta pouco antes de chegar ao trinco da porta, agora em direção ao quarto em que a teimosia estava. Cabisbaixa, foi assim que ele a encontrou e isso funcionou como um impulso para reconstruir o edifício, dessa vez com outras proporções e propósitos. Dessa vez era uma fortaleza que ele iria ser. Seus passos ainda silenciosos, não despertaram a atenção dela. A voz, agora impossível de calar, assustou a teimosia. Os lábios desenhando palavras nunca ditas antes, tão convincentes, tão claras, tão tocantes. Talvez elas até estivessem se repetindo, mas um edifício mal construído é diferente de uma fortaleza pronta para o contra-ataque. A realização foi tamanha que não surgiu uma faísca de ataque da inimiga amiga. O susto inicial não se manteve, o que a enfeitiçou nas palavras foi a confiança. Foi a certeza do que estava sendo dito sem lágrimas, apenas com dor e conhecimento. A dureza das palavras derreteu todas as barreiras da fortaleza dela, a qual ele imaginava que existia, mas não sabia que bastava se igualar para derrubar.
      Naquela tarde que virou noite não houve sabotagem de nenhuma das partes. Naquela noite que virou dia não houve arrependimento. Naquele dia que virou o resto da vida deles nada mais foi escondido ou temido.

Saturday, February 9, 2013

É isso..

     Um dia eu ainda vou fazer exatamente o que desejo. Vou parar com essa besteira de tentar agradar as pessoas; vou ver se tomo uma dose de confiança para sair por aí e ser irresponsável. Vou falar palavrão alto para ser ouvida, cansei de sussurrar minha raiva para não constranger as pessoas. Vou ser má, brincar de confundir o coração das pessoas, brincar de amarelinha ao contrário para ir do céu ao inferno. Se não tiver o inferno, eu desenho. Ainda coloco minha cara com uns chifres.
      Quer saber de uma coisa? Hoje eu vou treinar. Quando um filho da puta for indelicado comigo, responderei com o triplo de brutalidade. A índole perfeita cansa e nem agrada tanto quanto deveria. As pessoas esperam que você erre, mesmo que as machuque. Eu descobri a razão disso tudo. Perdoar aumenta a intimidade. Por que? Eu ainda não sei ao certo. Penso que se uma pessoa decide te perdoar é porquê ela deposita confiança em você. Confiança é como um filho. Você entrega receoso pra uma pessoa, mas fica feliz quando se dão bem. É um caminho perigoso e tortuoso, porém quanto mais o tempo passa e menos você vacila, mais tranquilo e fácil ele fica. No entanto, basta um pedra no meio do caminho, sendo o tamanho dela variável de pessoa para pessoa, que o caminho volta a parecer uma floresta num filme de terror. Pode até deixar de existir, não se sabe ao certo.
      Vou fazer com que todos os caminhos virem obstáculos, pelo menos assim terei desafios nessa vida. Até que é desafiador agradar a todos ao mesmo tempo, só que isso não me surpreende mais. Eu quero novidade. Quero me apaixonar por alguém que vai me pisar e quero ter uns vinte para pisar em cima com gosto. Vou trocar umas amizades insossas por umas picantes e mais bem temperadas. Vou beber até cair, pois essa noite alguém vai segurar meu cabelo. Vou fazer com que todo mundo seja eu para mim.

Wednesday, February 6, 2013

Frente a frente

      "Eu já deveria estar em casa."
      Todos dançavam ao som da bebida. Beijos desconhecidos, sorrisos sem motivo, abraços por engano. O perigo morava no conhecido. Dentre todas aquelas pessoas insanas que a rodeavam, apenas uma bastava para confundir sua cabeça mais que todos aqueles copos que havia segurado.
      "Eu não deveria estar aqui."
      Comprometida, atarefada, cansada. Ainda assim ela resistiu àquelas três horas em pé naquele estabelecimento. Por que? Uma resposta simples para um pergunta tão complicada. Resposta que ela não tinha na ponta da língua por teimosia.
      - Ei, menina! Acorda pra vida.
      Parecia que alguém havia estalado os dedos depois de uma sessão de terapia. Olhou o mundo e sem mais nem menos os olhos arregalaram. Surpresa, estática, sem reação. O conhecido.
      "Ah não, eu realmente deveria estar em casa."
      Como Murphy sempre faz o que sabe fazer melhor, as cenas seguintes conspiraram para que o desfecho calmo e sem nuances novelescos ficasse de lado.
      Tem-se como ambiente uma festa como outra qualquer. Pessoas bebendo para se perder, outras para se encontrar, e, algumas como ela, para esquecer. A improbabilidade da estratégia funcionar era maior que o teor de álcool em seu absinto. De mãos juntas ela rezava para que ele não desse as caras, de braços abertos ela se disporia caso a reza não funcionasse. Mas como proceder? Alguém em casa depositando a confiança em seu amor, e outro alguém que pisou seus sentimentos. O que escolher? Agradável, satisfatório, divertido ou maravilhoso, fervoroso, explosão de risadas; aproveitar investimentos no futuro ou abrir vaga para o passado se repetir?
      Esqueceu de si, lembrou para onde precisava ir, resolveu esquecer o que lhe esperava, esperou pelo que a esqueceu. Ela dizia que não, mas ela gostava desse joguinho do faz merda ou não faz. A corda bamba mantinha a vida dela mais desafiadora. Por isso ela ficou. Por isso ela não dormiu em pé, ou sentou. Por conta dos desafios ela se amedrontou, porém não desistiu.
      Os olhos dele encontraram o olhar turvo dela. Afinal, quem procura acha. E, para falar a verdade, ele sempre fez questão de mantê-la no radar. Por razões óbvias, mas que ele não conseguia explicar. Ela despertava um fogo incessante nele, incontrolável. Fogo daquele tipo que se alastra com facilidade. Sentia da ponta do dedo mindinho do pé esquerdo até sua grande testa faíscas remanescentes de outros encontros visuais, as quais não precisam de mais do que um pensamento para existir. Não foi em pensamento. Frente a frente o incêndio é generalizado e, se não é apagado rapidamente, há escoriações sérias.
      Infelizmente eles haviam optado pelos machucados. Feriam-se no orgulho, na pele, no sentimento, mas não cediam às vontades hormonais. Situação que ela vinha aguentando há um tempo, mas não ficaria assim por muito.
      Vinte minutos naquele magnetismo isolante e mais nenhum pensamento que a fizesse lembrar de casa, cansaço, amor. Nada lhe passava pela cabeça, em compensação todas a sensações lhe tomavam o corpo. Boas e ruins. Vontade que queimava, rasgava, gritava. Já se considerava masoquista depois de tanto tempo segurando-se com força. Os dois sabiam, os dois fingiam, os dois queriam.
      Um canto escuro, um desejo obscuro. Um toque para desencadear milhões. Eles precisavam, já não eram mais tão fortes. Precisavam beber da fonte proibida para recuperar forças para resistir mais uma vez. Quem disse que eles não tentaram se manter fiéis às próprias promessas? Meio ano evitando os mesmos corredores, os mesmos elevadores. Seis meses construindo essa fortaleza resistente e impenetrável, para em uma noite descobrir que a construção precisava de mais qualidade.