Sunday, December 14, 2014

Segundo - Choque cultural

      É incrível como sou indisciplinada e não consigo ser pontual com meus prazos mentais, mas aqui vamos para a segunda parte de um intercâmbio incrível, e não tão glamouroso assim. Antes de qualquer mudança na vida a gente tem que estar ciente dos estágios que vamos passar para finalmente chegar na adaptação. Infelizmente, ou felizmente, eu só fui apresentada a esses estágios aqui na Holanda, com uma disciplina chamada Intercultural Communication. Devo ressaltar o quanto é bizarro assistir uma aula em que você se sente o material de estudo para todas aquelas teorias.
      Primeiro a gente passa por aquele estágio louco de pré-intercâmbio. É um misto confuso de medo, felicidade, saudade, euforia, ânsia, estresse, muito estresse. Óbvio, cada um encara esse estágio de maneira diferente, mas de uma coisa eu tenho certeza, todo mundo passou por algum momento de desespero para conseguir um documento de última hora ou algo assim. Depois que a gente viaja e dá uma recuperada na saudade, passa a se sentir mais a vontade com a nova casa, o novo quarto, vem o estágio de "férias". Tudo é novo, tudo é diferente, tudo te empolga. Para pessoas com mente aberta esse estágio é um dos melhores, pois a vontade de experimentar e vivenciar cada coisinha daquela nova cultura é fascinante. Mas nem tudo são flores, não é colega? Depois dessa fase maravilhosa chega o que é chamado de "estágio da raiva". Esse estágio é tão comprido que tem três deles. O primeiro é quando você ainda está começando a sentir aquela raiva te arranhando por dentro. Quando você cansa de falar outra língua o tempo todo e daria o mundo para poder falar como falava em casa, usar suas gírias e ser entendida(o). Uma coisa eu digo, falar com pessoas que também falam a sua língua nem sempre alivia tanto. Se não são pessoas que estão acostumadas com seu sotaque, com as gírias da região que você veio, ou até mesmo gírias internas do amiguinhos, não vai aliviar como você precisa. Não podemos deixar de lado a comida. Uma das coisas que mais me causa saudade da minha terrinha. Claro, isso é só a primeira fase da raiva, e o estudo diz que dura em torno de 3 meses. Enquanto o estágio das férias pode durar apenas semanas. Engraçado, não?
      O segundo estágio da raiva. Esse sim é "punk" (entendedores entenderão). É aquela fase que você já não aguenta mais. Os novos amigos são legais, mas não são seus amigos de longa data que estão lá na sua cidade no aguardo. O clima te irrita de modo que às vezes você nem quer sair de casa. Sim, é difícil de acreditar que às vezes sinto saudade do calor cearense. Tudo que passa pela sua cabeça é "eu quero voltar pra casa!". Não é uma fase fácil, não é para fracos e desistentes, não. Quando o choque cultural atinge, ele vem com força na sua fuça. No terceiro estágio a solidão te assola e nada da nova cultura te empolga por um bom tempo. Muitas vezes você escolhe se isolar no seu mundinho para tentar fazer mais parecido com o mundinho que te aguarda em casa.
      Não, o intercâmbio não é só sofrimento. Chega um ponto que a pessoa se adapta, claro. Ajustar-se a nova cultura não é fácil, mas é possível. Depois de um tempo você consegue enxergar não só os defeitos, mas as qualidades da nova casinha. Para as coisas que antes te aborreciam, você desenvolve estratégias para não se deixar levar. A parte ruim? Acontece pertinho da hora de você voltar para casa. Uma lástima, eu sei. Quando você finalmente atinge aquele ponto em que se encontra confortável com a nova vida, vem sua vida velha e te puxa de volta. E mais uma vez, nada de flores. Mais um choque cultural pra você se adaptar. As qualidades que você demorou tanto tempo para enxergar na nova cultura vão cutucar a velha cultura constantemente. Você vai ser aquela pessoa chata que compara tudo do seu país com o país que você morou por um tempo. Amigos de intercambistas: p a c i ê n c i a! Há estudos sobre isso, então fiquem tranquilos, essa fase também passa. Se demorar muito, pode dar um puxão de orelha e um peteleco no nariz para o amiguinho voltar a realidade. Dá um beliscão também, para ela(e) perceber que não é um pesadelo, ou sonho.
      Com tanta coisa acontecendo na vida, na cabeça de uma pessoa que passa por uma experiência dessa, nada mais justo acreditar que mudanças serão visíveis. Em alguns mais que em outros. Aquele amigo super tímido pode ter pintado o cabelo de verde e vermelho, e voltou falando pelos cotovelos. Aquela amiga que era cheia de frescura pode voltar arrotando a mesa sem vergonha alguma. As pessoas mudam, abrem os olhos, amadurecem. Para alguns, o que estava na sua cidade quando saiu, ainda vai estar do mesmo jeito, estacionado só esperando aquela nova personalidade. Mais um vez: paciência, dos dois lados.