Tuesday, March 15, 2016

Do verbo ir

          As gotas caíam aos poucos no asfalto esburacado. Asfalto velho e precisando de reparos. Coração novo e precisando de amor. Mãos vazias precisando de encaixe. E a chuva mascarava sua dor. A velocidade da cidade não vencia seu tambor. Os vultos não viam seus lamentos. Um capuz para não molhar o que já estava encharcado. A ironia do fato também se aplicava à sua vida. Pequenos detalhes, pequenas pessoas, pequenos problemas, grandes desavenças. Enorme ausência.
          Adjetivos de isolamento poderiam cair ao seu redor como a água das nuvens. A quarentena de relações havia sido voluntária. Seria contagioso seu desmantelo? O pavor de infectar uma população a retirou de sociedade. As pernas tremendo menos pelo frio e mais pelo medo. A dor pesando mais que seu peso. O músculo mais forte no peito sustentando todo o corpo. A bolsa roxa implicando cansaço. O cabelo desgrenhado acusando falta de amor próprio. Ou seria apenas falta de amor? A propriedade de si continuava ali. As leis pessoais ainda se aplicavam. E por que o esquecimento do reconhecimento? O espelho já não mais revelava o que o passado lembrava. As poças d'água com imagens distorcidas eram mais fiéis a realidade interior.
          Uma aparência que pouco lhe importava, apenas alertava. Chegou ao ponto final da linha. Chegou numa bifurcação sem saída. Bateu de cara com tijolos. Sentiu mal estar e bem-te-vis. Cada passo, um receio. Cada segundo um depois. Foi em frente como se estivesse sempre atrás. Seguiu fraca e devagar, mas sempre foi. Foi na onda, fora dela, dentro dela, embaixo dela. Foi de corpo nas pedras e morreu na areia. Reergueu no ar, e como um sopro, foi de novo. O esgotamento pessoal sempre deu sinais. Porém, nunca atingiu um limite.
          Limpou a máscara, aplicou um sorriso e "bom dia" nesse escuro. Foi no fluxo, imperceptível. Enganou o mundo como enganava a si. E assim, foi. Foi e irá como sempre desejar.

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