"Eu já deveria estar em casa."
Todos dançavam ao som da bebida. Beijos desconhecidos, sorrisos sem motivo, abraços por engano. O perigo morava no conhecido. Dentre todas aquelas pessoas insanas que a rodeavam, apenas uma bastava para confundir sua cabeça mais que todos aqueles copos que havia segurado.
"Eu não deveria estar aqui."
Comprometida, atarefada, cansada. Ainda assim ela resistiu àquelas três horas em pé naquele estabelecimento. Por que? Uma resposta simples para um pergunta tão complicada. Resposta que ela não tinha na ponta da língua por teimosia.
- Ei, menina! Acorda pra vida.
Parecia que alguém havia estalado os dedos depois de uma sessão de terapia. Olhou o mundo e sem mais nem menos os olhos arregalaram. Surpresa, estática, sem reação. O conhecido.
"Ah não, eu realmente deveria estar em casa."
Como Murphy sempre faz o que sabe fazer melhor, as cenas seguintes conspiraram para que o desfecho calmo e sem nuances novelescos ficasse de lado.
Tem-se como ambiente uma festa como outra qualquer. Pessoas bebendo para se perder, outras para se encontrar, e, algumas como ela, para esquecer. A improbabilidade da estratégia funcionar era maior que o teor de álcool em seu absinto. De mãos juntas ela rezava para que ele não desse as caras, de braços abertos ela se disporia caso a reza não funcionasse. Mas como proceder? Alguém em casa depositando a confiança em seu amor, e outro alguém que pisou seus sentimentos. O que escolher? Agradável, satisfatório, divertido ou maravilhoso, fervoroso, explosão de risadas; aproveitar investimentos no futuro ou abrir vaga para o passado se repetir?
Esqueceu de si, lembrou para onde precisava ir, resolveu esquecer o que lhe esperava, esperou pelo que a esqueceu. Ela dizia que não, mas ela gostava desse joguinho do faz merda ou não faz. A corda bamba mantinha a vida dela mais desafiadora. Por isso ela ficou. Por isso ela não dormiu em pé, ou sentou. Por conta dos desafios ela se amedrontou, porém não desistiu.
Os olhos dele encontraram o olhar turvo dela. Afinal, quem procura acha. E, para falar a verdade, ele sempre fez questão de mantê-la no radar. Por razões óbvias, mas que ele não conseguia explicar. Ela despertava um fogo incessante nele, incontrolável. Fogo daquele tipo que se alastra com facilidade. Sentia da ponta do dedo mindinho do pé esquerdo até sua grande testa faíscas remanescentes de outros encontros visuais, as quais não precisam de mais do que um pensamento para existir. Não foi em pensamento. Frente a frente o incêndio é generalizado e, se não é apagado rapidamente, há escoriações sérias.
Infelizmente eles haviam optado pelos machucados. Feriam-se no orgulho, na pele, no sentimento, mas não cediam às vontades hormonais. Situação que ela vinha aguentando há um tempo, mas não ficaria assim por muito.
Vinte minutos naquele magnetismo isolante e mais nenhum pensamento que a fizesse lembrar de casa, cansaço, amor. Nada lhe passava pela cabeça, em compensação todas a sensações lhe tomavam o corpo. Boas e ruins. Vontade que queimava, rasgava, gritava. Já se considerava masoquista depois de tanto tempo segurando-se com força. Os dois sabiam, os dois fingiam, os dois queriam.
Um canto escuro, um desejo obscuro. Um toque para desencadear milhões. Eles precisavam, já não eram mais tão fortes. Precisavam beber da fonte proibida para recuperar forças para resistir mais uma vez. Quem disse que eles não tentaram se manter fiéis às próprias promessas? Meio ano evitando os mesmos corredores, os mesmos elevadores. Seis meses construindo essa fortaleza resistente e impenetrável, para em uma noite descobrir que a construção precisava de mais qualidade.
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