Sunday, October 16, 2011

Imprópria para menores

   Fazia pouco tempo que estava morando naquele cubículo que o corretor chamava de apartamento. Não encarava aquilo como um problema, pois passava a maior parte do seu dia no trabalho. Chegava em casa e só conseguia jantar enquanto mirava a vizinhança janela afora e depois dormir.
   A ausência de televisão tornou a apreciação das janelas do prédio ao lado mais frequentes. Um casal que nunca era o mesmo, pois todas as noites realizavam um fetiche diferente. Um mais bizarro que o outro. Tiazinha gemendo com o Rambo, ovelhinha seduzindo o leão, algo que parecia Jesus com a Virgem Maria... Na janela ao lado uma mãe solteira com seus dois gêmeos que deviam ser chamados de Diabo e Satã, porque todo dia faziam estripulias que infartavam a mãe. Em um apartamento mais embaixo, uns drogados fumando maconha e provavelmente ouvindo Bob Marley. Alguns lares destroçados: marido que bate na mulher; filha que foge de casa toda noite; irmãos que se odeiam. Alguns apartamentos vazios: caixas, paredes manchadas, tapetes esquecidos.
   Era encantador o cotidiano triste e tão real daquelas pessoas sem nome. Ele gostava de saber que sua vida não era tão lamentável assim ao olhar por aquele janela, aquela televisão, a única que não alienava, nem censurava.
   Já estava habituado à rotina da maioria daqueles moradores, e tudo estava ficando chato, tedioso. Até que um dia, algo o surpreendeu. Uma cortina que sempre esteve celada, abriu-se e revelou mais incensuras. O que aparentava ser um casal apaixonado, com o passar dos dias, provou ser apenas mais um cafajeste. Um homem nos seus bons vinte e poucos anos que alternava três mulheres diferentes por noite. Ao que parecia, nenhuma sabia da existência da outra, pois todas o olhavam com fogo e carinho, enquanto ele era vazio.
   Estava atolado no trabalho e pouco parava em casa. A programação disponível em sua televisão estava repetitiva e sem graça, então não sentiu falta do próprio lar, o qual na verdade era a mistura de todos aqueles outros lares em uma só cama, em uma só cadeira, em um só olhar.
   Dois meses de projetos cansativos, estava consumido por tanta papelada. Pálpebras pesadas, estômago roncando mais que seu sono. Resolveu descansar, mas antes pegou um prato de comida que estava na geladeira. A fome era tamanha que nem perdeu tempo esquentando.
   Puxou a cadeira e reparou na bagunça da mesa e na impossibilidade de encontrar um espaço para o prato. Olhou em volta, sua TV ligada, a janela lhe chamou. Sentou e correu os olhos por aquela infinidade de canais enquanto mastigava o arroz gelado.
   Havia algo diferente. Inédito. Parou ali, fixou sua atenção. Uma moça. Ela nunca havia estrelado nada que ele já tinha assistido. Pele branca, cabelos negros. Ali, tão perto e tão longe. Estava jantando, sozinha, assim como ele, mas mirava uma televisão de verdade. Pernas esticadas sobre a mesa, corpo relaxado. Parecia cansada.
   Aquela nova programação causou curiosidade. A fome cessou, os projetos eram terminados com um certo atraso. Não podia perder aquele programa tão solitário. Era um cotidiano tão simples e comum, ainda assim o deixava tão entretido.
   As coxas grossas descobertas pela saia enquanto ela se abaixava para tirar os sapatos. Tesão. O olhar perdido na janela enquanto pensava sobre alguma baboseira da vida. Pureza. Cabelos presos para cozinhar. Simplicidade. Camisolas vermelhas e delicadas. Sensualidade.
   Uma moradora nova que não saía da cabeça dele. Estava presente no trabalho, na rua, no banho, na cama, no metrô, na janela. Sonhava com alguém tão real quanto o ar que respirava e tão inalcançável quanto o topo do Empire State.
   Queria encontrá-la, dizer o que lhe causava, mas como chegar para uma dama e dizer "você me deixa excitado" sem parecer tarado? Como aproximar-se de uma desconhecida e falar o quanto ela o deixa com corpo quente e mente ardente sem soar como um estuprador? Como explicar que ainda assim tem vontade de afagar aqueles fios lisos e cuidar daquele corpo pequeno e não dar a entender que a vê como uma irmã?
   Sua fantasias eram mais bizarras que as do casal da frente, mais diabólicas que os gêmeos, mais insaciáveis que os maconheiros. E todas elas precisavam dela. Daquela mulher não tão enigmática, mas tão magnética.
   Conformou-se que alguns sonhos nunca iriam ser realizados e ficou recluso a seus pensamentos. Seus momentos febris que nunca cansavam da monogamia imaginária, seus lábios que sentiam falta do beijo invisível, seu corpo que se aquecia com o calor inexistente daquela pele intocável. Seu fogo que acendia com o desejo do que nunca seria real.

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