Monday, October 28, 2013

Marionetes

      Nas manhãs ela usava aquele sorriso capaz de incendiar qualquer coração, forjava sua felicidade sem que ninguém desconfiasse, mas bastava alguns minutos sozinha para sua expressão modificar. Bem que ela queria viver no faz de conta que havia criado para convencer os outros de que não precisava de ajuda, no entanto fugir não é tão fácil quanto enganar. Poderia ser uma eterna forasteira dos seus sentimentos, mas prefere ser sincera consigo mesma.
      Todos nós passamos por momentos ruins, era apenas uma fase, ela sabia. Logo a época das vacas gordas iria assolar sua vida de momentos melhores que memórias distantes. Muito esforço era usado para entender como tudo foi ficar tão complicado. Nada lhe fugia do controle, não entendia como daquela vez poderia ser tão diferente. Tantos corações manipulados da forma que ela desejava, fazia o que bem entendia para satisfazer seus desejos. Tinha o domínio da situação na palma de sua mão, palavras convincentes na ponta da língua. Sempre se deu muito bem com marionetes, não era diferente com as pessoas. Cada fraqueza era uma cordinha, sua habilidade permitia controlar os movimentos e prever qualquer desvio.
      O plano infalível não contava com falhas provenientes da fonte de criação. Ela não contava com o vazio que aquilo poderia deixar em seu ser. Queria acreditar mais em histórias fantasiosas para colocar a culpa em magia, pelo menos poderia dizer que algum coração que dilacerou lhe jogou um praga, lhe deu um coração. Não era isso, ela sabia também. A latência de seus sentimento a abandonou e deixou tudo tão escancarado. A vontade de não apenas se sentir desejada, mas também amada. Sua imunidade a romantismos já havia durado muito e, então, ela adoeceu.
      O que lhe causava repudio, agora provocava tanta inveja. Casais apaixonados, olhares cruzados, gargalhadas compartilhadas. De nada lha adiantava um sorriso incendiário se não lhe fosse real, se não aquecesse o coração que lhe enlouquecia. Ela precisava preencher o vazio para que seus momentos solitários trouxessem sonhos, não flashbacks; precisava sair do controle; ser um pouco manipulada; precisava perder o medo. Ela sabia toda a teoria para cessar a dor, só não conseguia encontrar alguém para colocar em prática. Pobre garota, pensava que até para perder o controle, poderia planejar.

Sunday, October 20, 2013

Do amor ao ódio, do ódio ao amor

      Como um flash, tudo aquilo passou pela minha cabeça. Um beijo roubado enquanto ninguém olhava, o fôlego tirado enquanto beijava. As risadas despretensiosas que quebravam o silêncio da madrugada. Os olhares que podíamos ver sem nem mesmo olhar. Tudo que escondemos dos outros e até mesmo de nós. Era tudo tão maravilhoso nos nossos esconderijos favoritos, e agora só me restam alguns goles do passado.
      Mesmo com tudo que foi vivido, parece que eu não fiz o suficiente para te manter aqui. Ela tem algo que me falta e prefiro nem saber o que é. Algo que te traz tanta dor, e ainda assim te prende com tanta força. Algo que te faz trocar risadas por lágrimas, abraços por tapas. Pode me chamar de boba ou idiota, mas prefiro sofrer a dor de não te ter a sentir essa felicidade egoísta de te manter na tortura. Só me restam alguns goles neste copo.
       Sinceramente, senti raiva, não posso mentir. Ninguém gosta de ter seu filme favorito interrompido nas melhores cenas. De alguma forma doentia consigo entender sua decisão. Apenas não sei o que fazer com essa carência, essa saudade. Os goles já não me deixam mais pensar com sanidade e começo a considerar opções absurdas, soluções paliativas. Vou te ligar agora, três da manhã, com sorte ela estará com você. Sua caixa postal vai apenas me dizer que você é algo que não posso ter. Assim vai ser mais fácil, vou poder cair na real, vou poder desistir de tudo isso, por essa noite pelo menos.
      Infelizmente não te liguei e ainda consegui mais uns goles do passado, do álcool, da dor, da vontade. A coragem de fazer besteira só aumenta e a sanidade diminui. Em meia hora fui capaz de sair do limbo para a loucura completa. Nada mais me move além do desejo de te ter aqui. Felizmente ainda tenho seu número na minha agenda telefônica, com sorte você vai atender, pois ela não vai estar com você. Nada de caixa postal, nenhum bipe, apenas a voz que me tira do sério. Esboçar um sorriso não tinha sido tão fácil nesses últimos dias como está sendo agora. De alguma forma os goles me deram palavras. Eu consegui assumir, sentir, falar tudo que tinha escondido de mim, de você. Minha índole não me permite fazer esse tipo de coisa, ainda bem que ela não existe depois de alguns copos de cerveja, vodka, tequila. Não consegui pedir nada, nem exigir, apenas falei tudo que me vinha a mente, todas as cenas daquele filme que vivemos. Foram os goles extras.
      Finalmente, eu deixei você falar mais que "alô", foi aí que eu me tornei teu pecado. Seus passos se encontraram com os meus e por aquele momento não me importava com ela, com vocês. Só existiam nós que nos prendiam, nos atavam, e eu não ia deixar soltar. Daqui em diante meus goles serão compartilhados, ligações serão apenas de saudade isenta de desespero, e as lembranças serão cenas repetidas do filme que vou poder assistir sempre que der vontade.