Monday, December 19, 2011

Não podemos ser amigos

     Havia um tempo em que gargalhar contigo era um dos momentos mais felizes do meu dia. Ir ao cinema incontáveis vezes até chegar ao ponto de termos que assistir filmes repetidos, pois tudo que estava em cartaz já havia presenciado nossa sintonia.
     Foi mais um dia daqueles que sair de casa era um alívio, não apenas por deixar todo aquele estresse familiar atrás da porta, mas por poder me deleitar com suas histórias engraçadas, seu andar atrapalhado, nossa comédia boba.
     No banco de passageiro eu ria desesperadamente da mancada que tínhamos cometido. Gritamos para uma conhecida no meio da rua, algo que só a intimidade proporciona entendimento, pena que ela não era alguém que conhecíamos. Para evitar um choque com outro carro, visto que ria tanto quanto eu, encostou perto daquele restaurante que já havíamos almoçado uma vez.
     Não conseguíamos pronunciar qualquer palavra com sentido, o riso era mais certo do que qualquer frase que poderia ser usada para descrever a sensação de vergonha naquele momento. Suas bochechas vermelhas de vergonha, nossas respirações descompassadas.
     Depois de alguns minutos desfrutando aquele momento repleto de risadas, tudo que eu conseguia fazer era calar minha voz e apreciar seu rosto vagarosamente perder a expressão risonha. As rugas que contorciam-se ao lado de sua boca quando ria sumiam aos poucos, sua respiração ficou mais regulada, assim como a minha.
     Olhei, apreciei. Sua pupilas dilataram ao encontrar as minhas. Sua voz tão calada quanto a minha. Meu coração mais descompassado que minha respiração. Parecia fazer sentido expor alguma ideia, mas o que eu sentia ali  não fazia sentido algum, então resolvi deixar ideias bem estruturadas para outro momento.
     Eu queria desviar minha atenção de você, mas não conseguia, nem deveria. Analisar cada detalhe do teu rosto era mais agradável que passar três horas rindo de baboseiras. Tudo parecia mais fácil enquanto meu olhar fixava-se em você.
     Sem aviso prévio minha boca dobrou-se em um sorriso. Acho que nunca havia trabalhado tantos músculos em apenas um sorriso, parecia que eu realmente estava sorrindo de uma orelha à outra. Era perfeito pela simplicidade da plenitude ali exercida. Excedeu à perfeição quando teus lábios imitaram os meus em reciprocidade. Foi ali, bem ali que eu soube, nós sabíamos exatamente o que se passava em nossa mente, mas nada importava porque o coração rufava mais alto.

Wednesday, December 7, 2011

Crônica de passagem

     Ele corria, o mundo tremia. Não sabia exatamente o que lhe perseguia, mas ele tinha de fugir dali. Estava levemente iluminado aquele caminho bizarro pelo qual passava voando.
     Sentia um tremor repentino no chão que mal pisava, algumas vezes efêmero, outras ameaçando um terremoto. Corria sem parar, sem cansar. Parecia imbatível, inalcançável. Sentia-se um super-herói digno de um gibi próprio. Faltava aquela capa que a maioria dos salvadores tinham, mas ele não estava salvando ninguém. Estava apenas fugindo como um covarde que molha as calças de medo. Não merecia ser a estrela de um filme com várias regravações.
     E corria, corria... O terror já estava com ele, no entanto, o enigmático perseguidor não era visível, nem invisível. Era como se ele soubesse exatamente o que lhe perseguia, mas não fazia nem ideia do que era.
     O ambiente começou a esquentar como se o sol estivesse ao lado dele, mas a escuridão misteriosa permanecia. O calor começou a tomar conta e o suor molhou seu rosto. O cansaço ainda não havia chegado, mas suava como se fosse desidratar a qualquer momento.
     Estava mais próximo. O que lhe seguia quase tocava seus passos recém formados. O pânico fazia com que seu corpo tremesse só de pensar na possibilidade de ser confrontado por aquele gigante silencioso que corria atrás dele.
     Debatia-se, os passos estavam mais próximos. Assustava-se, risadas de deboche invadiam o silêncio. Corria, estava perto demais para escapar. Arrepiava-se, o perseguidor o cercava por todos os lados. Clarão inesperado, horripilantes imagens, grito de suplício.
     Acordou!
     Os passageiros do ônibus não conseguiam conter os risos. O sol batia em sua face. Aquela lotação pintou de vermelho suas bochechas. Estava cansado de correr, suado de calor, envergonhado. Todos fixados na expressão assustada dele, enquanto ele tentava desviar seu olhar para as calçadas movimentadas.
     Depois de muitos minutos desviando sua vergonha, olhou em volta e ninguém mais parecia se importar com aquela cena tão recente e tão distante. Continuava fatigado. Acomodou-se naquela cadeira desconfortável e de alguma maneira conseguiu sonhar nos intervalos calmos em que os buracos do asfalto não ricocheteavam sua cabeça.