Saturday, September 22, 2012

Novo usado

      Ela já estava provocando seus hormônios por muito tempo. Aquelas curvas perigosas faziam seu corpo querer cavalgar numa viagem. Por muito tempo ele estava sendo enganado, seduzido, rejeitado. Não era o bonzinho da história, pois nunca havia sido paspalho. Era persistente, tão persistente que caiu de joelhos por aqueles joelhos. Não costumava ter dificuldade com mulheres, porém não é daquele tipo que usa e joga fora. Também não faz o tipo compromissado, mas tem bom coração.
      Um beijo em um dia, nem olhar na cara no outro. Ela é megera, sabe que pode ter quem quiser em suas mãos. Até quem ela não quer, se dá ao trabalho de querê-la. Ele sabia que estava sendo enrolado, isso, no entanto, só fazia com que ele gostasse ainda mais do desafio.
      No começo tinha a melhor das piores das intenções. Foi movido pelo desejo, confessava. O tempo foi maldito e o carinho foi surgindo. Pegou-se preso naquele jogo que ela criava com todo cara que despertava interesse. Infelizmente ele ficou entre aqueles peões que carregam um fardo até o fim do jogo. Os peões espertos ganham depressa ou abandonam cedo, nunca ficam tempo suficiente para colocarem o coração em jogo. Sendo burro como uma porta, procurava qualquer oportunidade para não só ganhar, mas conquistar a vitória. Parece a mesma coisa, mas é bem diferente. Ganhar pode ser de mão beijada ou por W.O. Conquista tem suor. Se fosse simples, já poderia ser considerado vencedor, pois nos finais de festa em que os peões desistiam, ele continuava ali. Ela, para não sair no prejuízo, concedia uma chance. Um contato que nunca saiu do bar, da rave, da boate, ou de qualquer festa que estavam.
      Ele suava, investia, tentava, corria. Ela? Esquentava, quebrava, desistia, fugia. A mulher não era só sensualidade, era interesse. A garota não era só sutileza, era furacão. Várias facetas num só corpo quente de peito congelado. Era uma armadilha, era inferno, no entanto, ele não acreditava em Deus. Confiava em si, ela dizia que não era isso que queria.
      - O que quer então?
      Um homem, um bandido, um fora da lei. Alguém que fizesse com ela o crime que ela era acusada de cometer. Ela queria um cara independente, livre e inteligente. Beleza não era nada, conquanto tivesse uma casa. Calúnia, ela queria riqueza. Rico de dinheiro, beleza, coragem e esperteza.
      Era inteligente, quase independente. Tinha carro, só não era BMW. Era bonito o suficiente para arrancar um sorriso de qualquer rosto feminino. Precisava ser melhor. Se moldou, mudou. Era tudo que ela poderia querer sem fugir do próprio ser.
      - Aí, meu caro, que você está enganado. Você não pode ser, tem que fingir - disse um peão que já havia desistido do jogo.
      Ele ignorou e continuou no jogo. Rolando dados, pulando espaços. O tabuleiro só aumentava e o prêmio nunca chegava para ficar.
      Na festa lotada, tinha mais uns quatro peões. A concorrência era grande, mas ele estava crente. Por muito tempo ela tinha feito promessas da boca para fora, que nessa noite ele iria cobrar. Buscando ganhar a noite, encontrou um concorrente segurando o prêmio, passando a mão no ouro reluzente, beijando o troféu. Foi a última cartada. O som da festa quase excedendo as batidas de seu coração. Suas veias saltavam de raiva. Tanto tempo tendo a cara pisada, as bolas chutadas, sido rejeitado como um qualquer. Era a hora da virada. A partida acabou ali. O jogo mudou. Daí em diante ele decidiu ditar as regras. Parou de ser, resolveu fingir. De jogador, virou mediador.
      Não olhou na cara, não pediu beijo. Virou de costas, não foi embora. Queria ficar ali, perturbando a consciência do juízo que estava perdido na cabeça daquela garota. Ela notou sua presença depois de esfregar na cara que ele perdeu. Ele, por sua vez, já estava propondo um novo jogo, dando atenção a novas garotas, esfregando na cara que ela não era mais ninguém.

Wednesday, September 5, 2012

Adeus por escrito

      Oi,
      você que encontrou essa carta pode, por favor, deixá-la no endereço que está escrito no verso? A pessoa que lá reside saberá o que fazer.
      É muito estranho escrever uma carta que você nem tem certeza se vai ser lida. Eu quero e não quero que  minhas letras mal escritas sejam decifradas. É tudo muito incerto e confuso nesse ponto. Queria poder me despedir, mas penso que ir embora sem dar as caras é mais fácil, menos doloroso. Não aguentaria ver lágrimas, lábios retorcidos. Não, eu desistiria de partir. Eu tenho que ir, eu preciso.
      Queria agradecer por tudo que todos fizeram por mim. Todo carinho que recebi da minha família mesmo sendo pouco, todo apoio que recebi dos meus muitos amigos. Lembro com gosto dos sorrisos que compartilhei,dos abraços que me foram oferecidos, os apertos de mão que fecharam negócios, as mãos nos fios que acalmaram o coração.
      O problema, meu maior motivo, é que não consigo esquecer de maneira alguma os momentos ruins, sofridos, torturantes. Pai, não é minha culpa se a mamãe te traiu. Eu tinha sete anos, por Deus! Não me culpe pela sua desgraça. Mãe, eu fiquei com você porque o papai não me amava, ou pelo menos não parecia amar. Desculpa, mas eu não suportava metade das suas exigências e reclamações. Eu amo vocês, porém não sei viver com vocês. E é isso que estou fazendo, indo embora. Tudo que eu sempre quis fazer, finalmente vai dar certo.
      Dani, você pode ficar com a Zezé, tá? Não posso levá-la comigo, a viagem não permite. Olha, ela só come ração, e duas vezes por dia. E quanto à água, tem que mudar todo dia, porque ela não gosta de água velha. Ficarei muito feliz se puder fazer isso por mim, tá? Desculpa por não ter te dado muita atenção nas últimas semanas, sei que você vai entender meus motivos. Eu estava mal, cheguei à última gota e passei dela. Minha raiva transbordou. Virei uma panela de pressão, e eu não queria explodir. Você não merece, não me merece. Eu te amo, por isso estou embarcando nessa jornada só. Quero que você vá viver sua vida e ser feliz, porque é isso que nunca consegui te proporcionar por inteiro, felicidade.
      Ah, perdoe as marcas de lágrima que possam acidentalmente molhar o papel. Cheguei a um ponto que não consigo mais controlar o rio que sai de meus olhos.
      Não terei muito tempo para explicar minha decisão, pois calculei meu tempo errado e o trem já está chegando. Amigos, não sintam minha falta nas festas, nos bares, nos cantos das boates. Sei que já nem sentem, pois me distanciei já faz uns tempos. Vivam, meus queridos, vivam! Aproveitem por mim na minha ausência. Serei uma pessoa eternamente grata se fizerem isso por mim, por vocês.
      Cinco minutos para o trem chegar, é melhor eu finalizar logo isso tudo. Qualquer coisa, quem ainda tem dúvida perante minha decisão, perguntem aos meus pais. Eles receberam uma carta semelhante a essa, no entanto a deles, ah, a deles... a carta deles é cheia de palavras feias, cheia de motivos, cheia de dor, desespero. Espero que eles não me odeiem depois de ler. Ou foda-se, que me odeiem. Estou indo embora para nunca mais voltar mesmo.
     Já escuto o trem, tenho que correr. Vou me apressar pela última vez. Está chegando, eu sinto o chão tremer com minhas pernas. Eu tenho forças.. preciso corr

Sunday, September 2, 2012

Sem título (1)

      Alguns copos vazios esperando mais cerveja. Uma roda de amigos e conhecidos. Alguns violões, várias vozes, poucas belas o suficiente para tornar a música espetacular. O que importava era o momento: risadas, danças, amores. Naquela noite, nada era cinza, ainda que estivesse escuro. Bastava a fogueira vermelha e amarela iluminando o sorriso de cada um que estava ali para comprovar a alegria que se instalara.
      "Fuga" era o nome que havia sido estabelecido para aquele lual. O número de copos não ultrapassava a faixa dos 30. Ela foi ainda que não conhecesse muitas daquelas mãos que seguravam os copos. Não era a garota mais sociável dali, mas gostava de estar envolta de pessoas a fim de curtirem a mesma sensação, queriam apenas fugir de todos os problemas que enfrentavam semana a semana, fosse em casa, na faculdade, nos relacionamentos. O importante era sorrir sem medo da inveja.
      Estava hospedada na casa da dona de um dos quatro violões que eram tocados naquela roda. Já havia desenvolvido uma certa intimidade com duas ou três pessoas dali. O resto poderia ter visto antes, até saber o nome, porém não sentia-se confortável o suficiente para conversar.
      Bebia, ainda que pouco. Tinha o interesse de ficar alegre no álcool, mas não tinha pressa:
      - Mais?
      - Calma! Ainda nem terminei esse - um quarto de sorriso, um quarto de cerveja no copo.
      As melodias variavam de animadas a calmas sem muita reclamação. Todos cantavam como se fossem as músicas mais contagiantes eleitas pelo top 10 da MTV. Conhecendo boa parte delas, sua voz tímida acompanhava de leve cada canção. Tinha consciência de que não era a melhor cantora do mundo, por isso procurava poupar os que poderiam ouvir seu canto. Sua amiga conseguia ir do grave ao agudo em segundos, isenta de desafinações.
      Qualquer um poderia sugerir uma música. Funcionava como um karaokê. Quer uma música? Tem que cantá-la. É claro que era provável que todos acompanhassem, no entanto sempre deveria haver alguém que puxasse o coro. Não sabe tocar violão? Pede para alguém tocar para você. Era uma forma simples e humilde de todos participarem de um bom momento. Claramente que alguns cantavam mais que outros, mas a maioria tinha seu solo preservado.
      Passaram-se algumas horas. Além de músicas, brincadeiras, piadas, histórias. Todos já estavam sob efeito da cevada com uma pequena porcentagem de álcool. Muitos dançavam; alguns se despiam, - não por completo - mas logo vestiam-se de novo, pois o frio não permitia muita exposição.
      Um rosto não muito familiar sugeriu uma música.
      - Você quer o violão?
      - Manda aí. - as mãos desocupadas de copos passavam o violão para o garoto.
      Virou o que restava da cerveja, depositou a caneca ao lado. Limpou a garganta, preparou o violão, respirou fundo. Bastou a primeira rima da canção para deixá-la estupefata. Aquela voz agradava seus ouvidos de modo que, mesmo sendo uma das suas músicas preferidas, não conseguia acompanhar. Ou melhor, optou em não acompanhar para não atrapalhar. Não foi a única. Alguns cantavam junto, porém baixinho, apenas para sentirem-se no clima tanto quanto o cantor.
      De olhos fechados ele sentia o som e transmitia a sensação. A roda dançava apenas com a cabeça na harmonia que os dedos dele passavam pelas cordas. Ao fim, aplausos. Já ela, não contendo-se, urrou de leve. Todos gargalharam e urraram em apoio. O garoto pouco envergonhado, levantou-se e fez aquele velho agradecimento de ator depois que as cortinas se fecham e os personagens são guardados.
      Mais garrafas foram requisitadas e ela resolveu acompanhar sua amiga e seu amigo ao carro. Não estava muito longe, mas o isopor onde as cervejas estavam era pesado. Três pessoas eram o bastante para trocar o gelo e renovar as garrafas.
      Giovani perguntou pelas chaves:
      - Estão comigo. - ela garantiu.
      - Ela é mais responsável do que eu. Sabe como fico quando bebo, não é? - Laila falou já com a voz arrastada e a risada na ponta da língua.
      - Sim, Lai. Eu sei - a risada dele não negava a alteração que estava surgindo. Então ele envolveu os braços na dona do carro e beijou sua bochecha, enquanto Olive caçoava daqueles bêbados.
      Abriram o porta-mala que ainda continha garrafa o suficiente para o amanhecer. Adicionaram mais gelo, mais garrafa, mais garrafas.
      - Vamos fazer um brinde?
      - Brinde? Para - o soluço de Laila interrompeu sua fala - o que, Gio?
      - Para esta noite, ué. Vocês, eu, nosso lindo menage - risadas intermináveis do trio.
      - Até parece, não é? - disse Laila e Olive concordou.
      - Ei.. - uma voz externa entoou.
      Os três olharam curiosos. Era o garoto da voz contagiante.
      - E aí, cara? Mandou bem naquela música, viu?
      - Valeu, cara. - sorriu sem jeito para o bêbado Giovani - Rola um copo antes de vocês levarem para lá? Porque mal bebi. Essa gente parece que nunca mais vai beber na vida.
      - Claro! Toma aqui. - despejou na caneca dele, aproveitando para encher o copo das meninas e o próprio - Ah! Esse é o Hugo. Hugo, essa é a Olive e a Laila. Não sei se lembra da Laila.
      - A gente se conheceu no boliche há duas semanas, não foi? - ela confirmou - lembro sim.
      - Enfim! Estávamos fazendo um brinde, quer se juntar?
      - Com certeza, cara!
      - À noite inesquecível que estamos tendo!
      Todos brindaram e viraram seus copos até não sobrar nem uma gota para contar história.
      Isopor cheio, mãos à obra. Não havia necessidade, mas os quatro contribuíram no transporte do isopor pelos quarenta metros que os distanciavam da fogueira.
      Chegando lá, a música parou e todos comemoraram por ter mais cerveja para se embriagarem. Laila pegou uma garrafa e Giovani a acompanhou até a toalha que estavam sentados. Hugo olhou para Olive procurando lembrar daquele rosto, não teve muito sucesso:
      - A gente já se conhecia?