Thursday, October 27, 2011

Divã de Ouro

   Todo dia acordo pensando na hora que vou dormir de novo. De fato, a vida está uma merda.
   Desculpa o palavreado, Doutor, mas lembro que você disse: deixemos a formalidade de lado.
   É... tá uma merda bem grande.
   Eu não deveria reclamar o tanto que reclamo, né? Afinal de contas, tenho um carro bom, uma casa para morar, um salário bem melhor que o seu - desculpa, mas é verdade - por que não consigo ser feliz?
   Bem que disseram que dinheiro não compra felicidade...
   Paro e penso. Eu fodo muito as coisas. Só pode!
   Casado com uma mulher que só transa comigo na intenção de engravidar, para depois pedir a porra de um divórcio e me deixar falido.
   Ela nem vai amar a criança. Vai tê-la como um boneco premiado.
   Puta que pariu!
   Ela deve me trair com nosso motorista...
   Sou um idiota hipócrita! Talvez a culpa seja minha e desse meu coração traiçoeiro.
   Casei porque achei que nunca ia amar e me apaixonei pela minha estagiária.
   Ela não sabe. Nenhuma delas sabe.
   A Carla... tudo começou porque eu a achei muito gostosa e seria maravilhoso ter uma visão privilegiada daquele corpo todas as manhãs.
   Só visão mesmo. Não sou cara de trair.
   Mas ela... ela é muito mais do que fogo que queima a distância. É o espírito, a áurea dela que apaixona.
   É a mulher que desejo dia e noite.
   Nunca fui romântico , mas quando penso nela...
   Doutor, eu não sei o que é isso. Eu nunca fui sensível, mas...
   Não sei nem o que dizer.
   Que merda!
   Ainda tenho que lidar com meu irmão sanguessuga que não faz porra nenhuma da vida.
   O papai já tentou empregá-lo na empresa, mas ele é um paspalho. Burro!
   Odeio meu irmão, odeio minha mulher. Como posso viver?
   As únicas coisas que me alegram são minha conta bancária e a Carla.
   Já mencionei que tenho uma sobrinha? Ela também me faz feliz.
   Tão pequena, inocente.
   Saudade da minha infância...

Monday, October 24, 2011

Duplo

   Eu preciso fazer uma confissão. Quando estou com ele, penso em você. Isso mesmo. Estou com ele há um tempo e não nego que ele já foi a razão de todas as minhas alegrias, mas você chegou. Usar um advérbio com uma ideia de adversidade parece tão apropriado, pois é exatamente isso. Estava tudo bem, mas você apareceu, e mostrou que a vida pode ser ainda melhor.
   Teus sorrisos iluminam minhas manhãs nubladas e despertam minhas noites mal dormidas. Nossas conversas são as mais inconstantes possíveis, repletas de olhares extraviados que tendem a encontrar-se. É uma sensação gostosa de plenitude que me cobre só em te ter ao meu lado.
   Sim, eu me sinto mal por traí-lo em pensamento, porque temos um relacionamento que um dia foi perfeito, que hoje, no entanto, cansa, machuca. Ele me ama, eu não duvido disso, porém já não sabe mais como provar esse sentimento e reafirmar tantas promessas para manter nosso alicerce.
   Quando ele envolve meu corpo, sabe que abraça um vazio. Deve ser tão difícil para ele ter se acostumado a completar-se com alguém que agora só o deixa pela metade. Eu sou má, eu sei. Não consigo me desfazer de todos os costumes que já delimitei com ele, nem dissipar essas sensações que você me causa.
    Estou confusa, e isso já é óbvio. Fico desmantelando ele aos poucos, exaustando o amor que ele mantem, enxugando lágrimas que não deveriam existir naquele rosto que tanto apreciei. E você? Também estou a brincar com seu coração, não é? Desculpa. Por favor?
    A verdade ainda fica mais triste. Ele tem muitos problemas, você também, todos têm. Os dele, no entanto, já estou cansada de ouvir. É como se ele insistisse na mesma coisa sem solução, ou não solucionasse o que pode resolver, e fica nessa reclamação eterna. Você não... seus problemas me deixam mais disposta a ajudar. O que falo, você escuta, e luta. Luta contra o que te aflige, pois sabe que o melhor nem sempre é o mais fácil. Sabe que algumas decisões vão te fazer sofrer, mas que devem ser tomadas.
   Espero que ele não leia isso. Realmente espero. Ele sabe que tenho uma página na internet, mas nunca se interessou muito pelo que escrevo aqui. Lia apenas quando eu disponibilizava o link para ele dar uma espiadinha. Até elogiava, mas logo esquecia que essas palavras não são compostas só de letras. Nelas há raiva, rancor, coragem, amor. Já você, por mais que negue, sei que lê cada texto pelo menos umas três vezes. Sabe como eu sei? Você, de vez em quando, cita algumas dessas palavras-sentimento sem inferir que as leu nas minhas prosas. Apesar de eu dizer que não lembro do que está escrito aqui, sei cada palavra tão bem quanto você.
   O romance que criei entre a gente nessa minha imaginação insana é muito mais satisfatório que o que eu tenho na vida real. Sei bem que deveria tomar uma decisão e acabar com esse sofrimento que venho plantando. Sei, também, que não colherei coisas boas se não souber que jardim aguar com mais carinho. É só que eu não posso esverdear um mais que o outro se não sei ainda em qual deles prefiro debruçar minh'alma. Um é certo, é macio, é meu. O outro talvez não fique tão verde comigo, talvez me espete quando deitar. É incerto para mim.

Saturday, October 22, 2011

Do latim: força, poder

   Nunca pensei que a sensualidade estava contida nos seios fartos e na bunda bem torneada das mulheres. Afirmo isso porque já deparei-me com diversas "tábuas", como alguns iriam se referir àquelas desprovidas de atributos físicos, mais sensuais que muitas malhadonas viciadas em academia, e várias gordinhas capazes de fazer qualquer homem babar com suas curvas mais avantajadas.
   De tantas garotas que já vi por aí, tantos corpos definidos, você provavelmente não se encaixa nesse perfil. Aquelas modelos esqueléticas que vemos, aquelas atrizes de filmes impróprios para menores, não que eu tenha assistido tais produções apenas quando me era próprio, você não é semelhante a nenhuma delas. Ainda assim consegue ser tão fisicamente atraente.
   Lábios macios, semelhantes ao travesseiro que gosto de descansar meus pensamentos depois de um dia longo. O vermelho sangue que os colore quando está pronta para uma festa qualquer, os deixa ainda mais chamativos que já são. Os olhos comumente escuros e estranhamente enigmáticos. Cílios longos como se estivessem ali para proteger a visão de pesadelos acordados. Um balançar de quadril suavemente dançante, discretamente alucinante.
    É a composição do que vejo com o que escuto que a torna tão, tão... Daria-me por satisfeito só em saber seu nome, para saber como chamar aquela sensação absurda:
    - Valéria - a grosseria nas cordas vocais colaborava com minha vontade.
   Bastava-me isso para seguir feliz com minha vida. A conversa, no entanto, despertava curiosidade. Pelo menos a que idealizei em minha cabeça. Surpreendentemente extrapolou minhas expectativas e deixou-me estupefato com a gama de assuntos que dominava, a frieza que depositava as palavras em meus ouvidos e a sinceridade que tinha no gelado de sua fala.
   Frequentemente sentia pontadas de desejo do teu inverno. Ansiava pelo teu verão toda vez que via o calor no seu olhar. Perguntava-me diariamente como aquele sol escuro não derretia o teu gelo transparente. Era o mistério que pairava nas tuas contradições eternas que me mantinha ali, na esperança de respostas inexistentes no fim daquele filme cíclico.
   Mal sabia eu que a sabedoria era tão diferente de intelecto, e que ela poderia ser tão responsável pela atração que aguçava em cada macho que o caminho cruzava. Mais uma vez, a sensualidade provava ser diferente de atributo físico, porque você, ah você!, consegue enlouquecer-me na cama mesmo estando sempre distante dela.
    Os meses foram se mostrando mais lentos que os segundos e mais rápido que os anos. Minha cabeça já não faz mais tanto sentido como fazia antes, meu lado incompreendido forçou minha compreensão a ser confusa. Ninguém conseguia interpretar meu sorriso de "bom dia" e minha tristeza de "boa noite". Meus amigos brincavam comigo pela minha constante ausência presente, e indagavam com uma certa constância estressante:
    - Está com febre? Que enfermidade é essa?
    Respondia eu sem hesitar:
    - Valéria.

Thursday, October 20, 2011

Estrela cadente

   O celular soou no meio da madrugada. Nunca teve tanto ódio da sua música favorita. Deu uma olhada rápida sem prestar muita atenção. Desativou seu despertador. Voltou a dormir. Por mais uma vez aquela música ecoou no silêncio interminável de seu quarto. Não era despertador.
   - Alô - balbuciou.
   - Acordei você? - ela falou meio tímida.
   - Sim... não - meio atordoado.
   - Desculpa  - silenciou - ligo amanhã então. Volta a dormir, meu anjo.
   - Tá tudo bem, amor. Pode falar - finalmente abrindo os olhos e soltando a voz.
   - Eu só liguei para te dar parabéns - animação em sua voz.
   - Pelo que? - ainda estava confuso.
   - Você não sabe do que estou falando, né bobinho?
   - Me perdoa?
   - É claro que não - brincou - hoje completamos um ano de namoro e você faz o favor de esquecer? - soltou a risada que estava abafando.
    Ele riu também, pois aquele risinho suave lhe fazia tão bem.
    - Parabéns! Você é perfeita, sabia?
    - Claro que não. Eu só pareço legal, mas acordo meu namorado no meio da noite só para falar besteira - riu mais uma vez.
    - E é isso que faz de você tão completa. Consegue me estressar por um segundo e provar que é meu sonho mesmo quando acordo.
    Ambos respiraram fundo e seguraram o telefone mais forte na orelha como se pudessem sentir o calor da respiração do outro.
    - Eu te amo - disse emocionada - tanto! - lágrimas.
    - Eu tam...
    O despertador tocou mais forte que aquelas cordas que o prendiam naquele sono profundo. Levantou-se subitamente. Um travesseiro vazio ao seu lado, marcado com o peso de uma mente. Lençóis dobrados, cheirosos como a brisa da primavera. Mãos suadas, sozinhas como a solidão da estrela cadente.
    Queria poder dormir pra sempre e acordá-la do sono eterno. Queria poder sentir os lábios frios quentes mais uma vez. Queria poder chorar de alegria e não de saudade. Queria tanto que o tempo não podia reverter.
     Não poder matar a dor da ausência, nem viver o alivio da presença. Odiar o oposto do que precisa, amar qualquer sinônimo que lhe diga. Viver perdendo o oxigênio que agora é só dele pelo vazio que ela deixou.

Monday, October 17, 2011

Novela

   Você gosta de andar por aí dilacerando corações, não é? Fui apenas mais uma de suas vitimas infelizes e desafortunadas? É, eu fui. Estou sozinho, com saudade, chorando, perdido.
   Bem que todos me avisaram do seu tipo sedutor e enganador. Esse jeito sugestivo que morde os lábios quando olha nos olhos e quer um pouco de carinho. Devia ter percebido que não passava de luxúria. Como você acaricia para ganhar algo em troca. Achava bonitinho, sabia? Parecia uma gatinha manhosa com fome. Era só preguiça.
    Foi tão simpática com meus amigos, me fez pensar que finalmente conseguiria equilibrar amor com amizade. Era tudo gula, não é? Já estava mirando novos alvos... E tudo faz sentido, todas as noites que me chamava para sair. Tudo isso era apenas para esbanjar o bens do seu namorado, os meus bens. Ao começar pelo meu carro. Isso chama-se avareza e inveja, também. Por não ter tudo aquilo só para você!
    Eu amava seus trejeitos, sua risada, seu sorriso. Tudo é tão obscuro agora, pois até suas crises de ciúme, as quais considerava a declaração de amor mais fofa, faziam parte apenas de mais um de seus egoísmos. Sua incapacidade de me dividir. "Só estávamos conversando", eu dizia, "mas era você com alguém que não era eu", rebatia. Você corava, era linda com raivinha. Abraçava-te e acalmava seus nervos. Hoje vejo, todo esse showzinho de ira, para eu pedir desculpas e ver apenas sua cara fechada, rejeitando uma bondade que nem merecia. Pensa que sempre está certa, já que é tão inteligente. Via isso como uma maneira do seu autorreconhecimento, a maioria das pessoas não enxergam suas qualidades. Já você, via até onde não tinha. Ensinando-me muito bem o que é soberba.
     Agora paro e reflito sobre nossos bons momentos. Todos eles foram falsos. Vai dizer o contrário? Beijos interesseiros, abraços desconfiados, carinhos relutantes. Tudo que eu via em você, todas as maravilhas e belezas, estão tão borradas nesse minuto. E quanto mais penso, mais borrado tudo fica. E logo você será apenas um borrão no meu álbum da vida.
     Hoje, eu paro e percebo onde pecou, o que pecou. Você só fez isso! Conseguiu acoplar os sete pecados em alguns meses de convivência. Posso até sugerir que faça isso da sua vida: dedique-se a ensinar as pessoas o verdadeiro significado de pecar. É o pecado ambulante, não haverá professor melhor.
     Eu te quis, como nunca quis ninguém. Senti um amor que nunca havia sentido antes. Tive mais sonhos acordado que dormindo. Você foi a razão de tanta alegria, tanto sorriso. Sabe o que mais me dói? Não é ter perdido você para aquele paspalho, não é saber que me traía todas as noites, não é ter beijado lábios que só contavam mentiras. O que mais dói é ter sido tão virtuoso ontem que não vi o pecado de hoje.

Sunday, October 16, 2011

Imprópria para menores

   Fazia pouco tempo que estava morando naquele cubículo que o corretor chamava de apartamento. Não encarava aquilo como um problema, pois passava a maior parte do seu dia no trabalho. Chegava em casa e só conseguia jantar enquanto mirava a vizinhança janela afora e depois dormir.
   A ausência de televisão tornou a apreciação das janelas do prédio ao lado mais frequentes. Um casal que nunca era o mesmo, pois todas as noites realizavam um fetiche diferente. Um mais bizarro que o outro. Tiazinha gemendo com o Rambo, ovelhinha seduzindo o leão, algo que parecia Jesus com a Virgem Maria... Na janela ao lado uma mãe solteira com seus dois gêmeos que deviam ser chamados de Diabo e Satã, porque todo dia faziam estripulias que infartavam a mãe. Em um apartamento mais embaixo, uns drogados fumando maconha e provavelmente ouvindo Bob Marley. Alguns lares destroçados: marido que bate na mulher; filha que foge de casa toda noite; irmãos que se odeiam. Alguns apartamentos vazios: caixas, paredes manchadas, tapetes esquecidos.
   Era encantador o cotidiano triste e tão real daquelas pessoas sem nome. Ele gostava de saber que sua vida não era tão lamentável assim ao olhar por aquele janela, aquela televisão, a única que não alienava, nem censurava.
   Já estava habituado à rotina da maioria daqueles moradores, e tudo estava ficando chato, tedioso. Até que um dia, algo o surpreendeu. Uma cortina que sempre esteve celada, abriu-se e revelou mais incensuras. O que aparentava ser um casal apaixonado, com o passar dos dias, provou ser apenas mais um cafajeste. Um homem nos seus bons vinte e poucos anos que alternava três mulheres diferentes por noite. Ao que parecia, nenhuma sabia da existência da outra, pois todas o olhavam com fogo e carinho, enquanto ele era vazio.
   Estava atolado no trabalho e pouco parava em casa. A programação disponível em sua televisão estava repetitiva e sem graça, então não sentiu falta do próprio lar, o qual na verdade era a mistura de todos aqueles outros lares em uma só cama, em uma só cadeira, em um só olhar.
   Dois meses de projetos cansativos, estava consumido por tanta papelada. Pálpebras pesadas, estômago roncando mais que seu sono. Resolveu descansar, mas antes pegou um prato de comida que estava na geladeira. A fome era tamanha que nem perdeu tempo esquentando.
   Puxou a cadeira e reparou na bagunça da mesa e na impossibilidade de encontrar um espaço para o prato. Olhou em volta, sua TV ligada, a janela lhe chamou. Sentou e correu os olhos por aquela infinidade de canais enquanto mastigava o arroz gelado.
   Havia algo diferente. Inédito. Parou ali, fixou sua atenção. Uma moça. Ela nunca havia estrelado nada que ele já tinha assistido. Pele branca, cabelos negros. Ali, tão perto e tão longe. Estava jantando, sozinha, assim como ele, mas mirava uma televisão de verdade. Pernas esticadas sobre a mesa, corpo relaxado. Parecia cansada.
   Aquela nova programação causou curiosidade. A fome cessou, os projetos eram terminados com um certo atraso. Não podia perder aquele programa tão solitário. Era um cotidiano tão simples e comum, ainda assim o deixava tão entretido.
   As coxas grossas descobertas pela saia enquanto ela se abaixava para tirar os sapatos. Tesão. O olhar perdido na janela enquanto pensava sobre alguma baboseira da vida. Pureza. Cabelos presos para cozinhar. Simplicidade. Camisolas vermelhas e delicadas. Sensualidade.
   Uma moradora nova que não saía da cabeça dele. Estava presente no trabalho, na rua, no banho, na cama, no metrô, na janela. Sonhava com alguém tão real quanto o ar que respirava e tão inalcançável quanto o topo do Empire State.
   Queria encontrá-la, dizer o que lhe causava, mas como chegar para uma dama e dizer "você me deixa excitado" sem parecer tarado? Como aproximar-se de uma desconhecida e falar o quanto ela o deixa com corpo quente e mente ardente sem soar como um estuprador? Como explicar que ainda assim tem vontade de afagar aqueles fios lisos e cuidar daquele corpo pequeno e não dar a entender que a vê como uma irmã?
   Sua fantasias eram mais bizarras que as do casal da frente, mais diabólicas que os gêmeos, mais insaciáveis que os maconheiros. E todas elas precisavam dela. Daquela mulher não tão enigmática, mas tão magnética.
   Conformou-se que alguns sonhos nunca iriam ser realizados e ficou recluso a seus pensamentos. Seus momentos febris que nunca cansavam da monogamia imaginária, seus lábios que sentiam falta do beijo invisível, seu corpo que se aquecia com o calor inexistente daquela pele intocável. Seu fogo que acendia com o desejo do que nunca seria real.

Saturday, October 15, 2011

   Meu,   
   Lembra quando você disse que vinha aqui em casa e dez minutos depois falou que não poderia vir porque tinha de levar seu cachorro para passear e resolver umas coisas com sua mãe? Lembra que eu fiquei possessa? Que ignorei suas mensagens? No dia seguinte estava tudo bem. Você rindo e eu também.
   E naquele dia que ficou com raiva porque dispensei uma saída com você para passar o dia inteiro com meu amigo, pois ele tinha acabado de terminar um namoro de três longos anos? Correu para os braços da sua melhor amiga afim de me deixar com ciúmes também. Lembra que eu ri disso? Até te chamei de bobo e idiota por achar que eu ia me importar, mas logo em seguida ficamos sem nos falar por uns dias, porque eu realmente me importei. E na semana seguinte eu apareci de braços abertos e você com uma rosa nas mãos.
   Assim vamos levando. Nossas baboseiras que todos criticam, nossos olhares que todos invejam. Oscilando entre beijos e beliscões, sorrisos e cara fechada. Somos como uma lâmpada na iminência de queimar. Acende, apaga, acende, apaga. Nunca decide o que é melhor, o claro ou o escuro.
   Hoje faz sete meses, cinco dias, dez horas e... bem, os minutos dependem de quanto tempo você vai demorar para chegar nessa parte da carta - sim, eu sou um pouco paranoica com tempo, você sabe - que começamos isso que chamamos de namoro. É meio estranho eu estar escrevendo isso logo hoje, o dia que aparentemente não tem nada de especial. Aparentemente.
   Agora vou forçar um pouquinho da sua memória. Recorda do dia que segurou minha mão, olhou nos meus olhos e disse "eu te amo"? Ok, não é forçar demais sua memória, até porque foi há duas semanas, cinco horas e, mais uma vez, os minutos dependem da velocidade da sua leitura; e porque você ficou bem chateado quando eu respondi "obrigada". E de novo oscilamos do claro cheio de carícias, para o escuro cheio de mágoa.
   Expliquei porquê não disse o mesmo. Não gosto de banalizar o amor, você sabe que não gosto. O que não significava que eu não sentia algo forte por você. Entenda...
   No entanto, as coisas mudam. Ontem, as coisas mudaram. Não soube como te dizer, por isso esperei. Eu não queria mudar o rumo das nossas conversas loucas e descontraídas, desculpa. Então, resolvi escrever essa mudança aqui.
   Faz 25 horas que eu percebi que eu te amo. Isso mesmo, eu te amo. Agora você provavelmente está mais aliviado, não é? Achei que seria legal deixar-te preocupado para que essa frase tão usada fizesse o efeito que ela realmente deveria fazer: alegria, euforia, plenitude. Eu te amo!
   Eu disse que essa era uma data especial. Eu te amo, mesmo sabendo que nós somos uma lâmpada que logo pode queimar e apagar para sempre. Espero e rezo, para que ela nunca apague, e se apagar que nós possamos aprender à viver a luz de velas.
Eu te amo,
Sua.

Thursday, October 13, 2011

Sul

   Lembro quando dizia para os meus pais que estava estudando na faculdade, quando, na verdade, estava fugindo de todas aquelas pessoas que diziam ser meus amigos e me abrigando em sua casa.
   Sempre gostei do seu jeito despreocupado de viver, apesar de ficar preocupada com seu descaso perante a vida, porque não quero ter que me vestir de preto para te encontrar pela última vez deitado em um caixão. Gostava também quando debochava de mim, mesmo me deixando com raiva. Você é implicante, isso me estressa e me diverte, por mais estranho que pareça.
   Sei bem da sua fama: galanteador. Desde o primeiro dia que te conheci, fiquei ciente dela. Garanto que em nenhum momento fiquei tentada em ser mais uma das suas conquistas, por mais que insistisse como insistia com qualquer outra garota. Fui conhecendo quem realmente era, porque você permitiu. Você sentiu-se confortável o suficiente para falar de sentimentos com uma menina tão sem sal como eu. Não sei ao certo se eu conquistei essa confiança ou se você simplesmente resolveu arriscar, só sei que fiquei feliz de uma maneira ou de outra. A partir daí percebi o quanto poderia ser diferente de qualquer mulher que havia conhecido. Seria sua amiga, não mais um beijo no escuro.
   Falava o que seu coração dizia, eu ajudava com palavras que o meu gritava. Você é sensível, por mais que negue. E, olha, eu fico feliz em ser uma das poucas pessoas que puderam enxergar isso. Ao perceber o que minha visão me mostrava com clareza prometi que seria seu mundo, seu lar, sua paz. Prometi que iria enxugar suas lágrimas invisíveis, reparar seu coração inquebrável, carregar teu corpo pesado.
    O tempo foi passando e minhas fugidas a sua casa foram ficando mais frequentes. Gostava da sua cara de surpresa reprimida toda vez que abria a porta e me via ali. Às vezes levava uma vodka para bebermos e reclamar da vida maldita que tínhamos, ou apenas bebia daquele vinho que você costumava comprar, que por sinal, é terrível.
    Álcool, risadas, lamentos, música, sonecas... um dia esquecemos todos os problemas, esquecemos quem éramos. Acordei na sua cama, ao seu lado. A priore, fiquei assustada, mas a dor de cabeça era tão intensa que tudo que consegui fazer foi fechar os olhos e dormir mais uma vez.
    Não lembro como aconteceu ou porque aconteceu, apenas sei que não foi uma única vez. Já que o crime estava feito, por que não continuar o massacre? E todos os dias que eu fugia para seu recanto, ia vestida sabendo que não precisava de roupas, levava álcool mesmo que continuasse sóbria.
    Eu, na sua cama, envolvida em seus lençóis mal lavados, despida de qualquer vergonha, qualquer pudor. Você, na nossa cama, me envolvendo em seus braços, contando suas aventuras inacreditáveis. Nos arrepiávamos mesmo suando. Tudo era feito na pureza da amizade, na inocência do querer, com o pecado para satisfazer.
    Odiava seu cigarro e o cheiro que invadia o quarto. No entanto, gostava da fumaça. Ela lembrava a falta de clareza nos meus pensamentos. Ria das minhas tosses constantes ao inspirar aquele veneno que fumava, e eu ficava alternando minha dificuldade de respirar com risos recíprocos.
    Era perfeito. Prazer sem envolvimento, amor sem paixão, nós em um colchão. Ainda temia tornar-me apenas mais uma na sua lista, mas sabia que seria a única na sua lista. A única que lembraria com carinho e não como quantidade.
    A faculdade foi me consumindo e você sumindo. Nossos encontros foram ficando escassos, e sua cama vazia. Então, você fugiu. Não como eu costumava fugir. Nunca nem pisou na minha casa, no meu recanto. Foi para longe sem avisar.
    Um dia senti saudade e fugi para ti. Bati três vezes na porta, como sempre costumava fazer. Esperei uns minutos. Gritei teu nome. Silêncio. Baixei o trinco, a porta rangeu e revelou o vazio do teu apartamento.
    Tudo acabou do mesmo jeito que começou, sem explicação.

Another Heart Calls

 
   Outro coração chama e a dúvida surge. Já estou a cuidar de um coração, mas o outro clama por meus cuidados.
   Esse, que está em minhas mãos, vem me ferindo há um tempo. Ele tem espinhos, mas ainda assim é tão frágil. O problema é que requer atenção dobrada. Se eu me distrair posso machucá-lo ou acabar por me cortar. Seguro com cuidado para não me espetar, nem derrubar.
   O que me apareceu há poucas semanas, não necessita de muitos cuidados. Apenas uns pequenos reparos e curativos. Com ele é bem mais fácil. Não me chama apenas quando precisa de meus dotes de enfermagem, mas também por me querer.
   Gosto mais de um do que do outro. O primeiro, no entanto, não tem sido tão cuidadoso com o meu coração como sou com o dele. O segundo tem provado ser mais atencioso, mais disposto a reparar os danos que pode causar ou que outros causaram. Eu posso aprender a gostar de outro, não é? Posso muito bem entregá-lo o que está sendo destruído pela carência de atenção. Devo eu fazer isso?
   O risco é grande, a rotina vai mudar, porém pode até melhorar. Vou me acostumar com as mudanças, certo? Vai ser mais fácil, recíproco, menos exaustivo . Vou poder andar nessa montanha-russa sem me preocupar com espinhos atravessando minha pele. Eu vou me acostumar!

Wednesday, October 12, 2011

Bons amigos

   - Ele disse que somos bons amigos... - cabisbaixa.
   - Então... - exaltada - isso é desculpa?
   - Não, é um motivo. - esforçando-se para segurar o choro.
   - Isso é desculpa! - deixando a revolta tomar conta - Ele espera namorar quem? Uma inimiga? Um garota com a qual ele não consegue trocar uma palavra? Ele é um idiota!
   As lágrimas fugiram do controle. Um abraço era a única coisa que podia ser dita para calar a dor.
   Envolveu a decepção da sua amiga em seus braços na esperança de estrangular o sofrimento. Sabia o quanto ela gostava daquele garoto, o quanto já havia sofrido pelo que não era recíproco. O que não conseguia entender era por que ele havia mentido. Tinha certeza que ele sentia o mesmo, ela via em seus olhos.
   Sentia-se mal por ter estimulado que sua amiga assumisse tudo que sentia pelo garoto que provocava esses sentimentos, e logo em seguida ter resultado naquilo. Uma hora de choro ininterrupto.
   Chegou em casa com o ombro pesado de tanto choro que havia enxugado, tanta dor que havia extraído. Estava, também, curiosa, indignada. Ela era uma boa amiga e não ia deixar as coisas pararem ali.
   Marcou um encontro com o dono do coração da sua melhor amiga. Algo descontraído, algo que costumavam fazer.
   Chegou meia hora antes para preparar um diálogo em sua mente.
   - Achei que eu ia chegar cedo... - ele disse aproximando-se e sorrindo.
   Ela riu:
   - Você falhou, caro amigo - debochou.
   Escolheu não introduzir o assunto de primeira. Pediram a comida e, enquanto esperavam, foram levando um papo descontraído. A comida chegou sem muita demora e começaram a se deliciar com seus pedidos. Conversando, mastigando, bebendo.
   - Ei, me explica uma coisa. - disse como quem não quer nada.
   - O que?
   - Por que você mentiu? - sempre havia sido direta, nada sutil, mas eles já se conheciam muito bem. Tinham tal intimidade.
   Quase engasgou antes de responder:
   - Mentir? Como assim? - desentendido.
   - Você sabe do que eu estou falando...
   Engoliu devagar para ganhar tempo para pensar:
   - Eu não gosto dela.
   - Gosta sim! Você sabe que gosta. - proferiu essas palavras com seriedade e calma em sua voz.
   Procurava maneiras de evitar o assunto e contornar a situação.
   - Nossa! Isso aqui está uma delícia.
   - Você é péssimo em mudar de assunto sabia?
   Ela o conhecia bem demais. Seria em vão continuar mentindo.
   - Eu gosto de você.
   Dessa vez ela não conseguiu manter a serenidade da conversa cheia de tensão, e caiu no riso sem fim.
  - O que foi? Do que você está rindo?
  - Essa... - risadas - foi a melhor - mais risadas acompanhadas de olhos cheios d'água - piada que você já contou.
   Respirou fundo. Conteve o riso. Não aguentou. Riu mais um pouco.
   - Ok! - inconformado - Porra! Você me conhece bem demais. - juntou-se a ela nas risadas.
   - Pronto - voltou a ficar séria - agora me explique.
   - Antes - fez uma pausa - como você sabe que estou mentindo?
   - Por favor, né? - olhou para ele impaciente - Conheço você há apenas cinco anos, te vejo todos os dias, até quando não quero. Já vi você com muitas garotas, mas nunca vi você olhar para ninguém como olha para ela.
   Baixou a cabeça para evitar transparecer a confirmação daquelas palavras.
   - Eu não posso - disse baixinho.
   - Não pode o que? Ser feliz com alguém? Fazer uma garota feliz?
   Levantou o olhar para encontrar a certeza dela.
   - Não posso... - a voz falhou, as palavras que dariam continuidade a frase sumiram.
   Ela esperou em silêncio o resto.
   - Sentir. Não isso.
   - Não acredito! Não acredito como você pode ser tão egocêntrico às vezes. Isso tudo se trata desse seu medo bobo de se envolver por mais de uma semana com alguém, não é?
   - Ei! Eu já passei três meses com uma garota.
   - Qual? Aquela que morava lá na puta que pariu e que vocês se viram só duas vezes durante aquilo que ELA chamava de namoro?
    Percebeu que realmente tinha medo. Medo de se envolver, de envolver outro alguém, de se apaixonar, de ser feliz sem estar sozinho.
    - O que eu fiz? - falou sem a intenção de ser ouvido.
   Era atingido por rápidas percepções. Tinha medo, por sempre ter sido insensível. Sentir era impossível, na visão que tinha de si. Estava sentindo. Sentindo muito mais do que achava que era capaz. Era amor. O tão temido amor. O tão avassalador amor. O tão incontrolável amor. Tinha dispensado o amor. Tinha decepcionado quem mais amava, a única que havia amado.
    - O que eu fiz? - repetiu. Dessa vez olhando para sua melhor amiga. Aquele que mostrava para ele tudo que ele precisava, na hora que ele precisava. Esperando que mais uma vez ela desse uma explicação plausível pelas atitudes dele.
     Não respondeu.
     - O que eu fiz? - impaciente - Me responde, porra!
     Ela riu de leve. Era maldade rir da dor dele, mas não conseguia segurar-se ao vê-lo tão indignado por ter dispensado uma garota.
    - Você foi covarde.
    - O que eu faço? - desespero era a única coisa legível em seu olhar.
    - Corre. Corre muito e rápido. Corre para não perder o que é seu.
    Não pensou duas vezes. Levantou-se e saiu correndo. Antes de chegar a saída do restaurante, parou rapidamente e voltou.
    - Levanta! - falou em um tom mandão para sua amiga.
    - Por que?
    - Levanta!
    Ela afastou a cadeira da mesa e ficou de pé. Foi puxada para ele.
    - Obrigado.
    Eles estavam abraçados. Ele estava agradecendo pela amiga que tinha, pelas palavras duras e sinceras.
    Deu um beijo no rosto dela e saiu mais uma vez.
    - E a conta? - ela gritou sorrindo.
    - Prometo que te compenso depois! - gritou ainda mais alto e com pressa. Pressa de amar.

Wednesday, October 5, 2011

Sobre alívio

   
   Desabafar... sinal de alívio, não é? Tira um peso enorme das costas quando encontra alguém confiável o suficiente para ouvir suas dores, seus choros, suas dúvidas. Para algumas pessoas pode ser doloroso, mas apenas porque elas não querem mostrarem-se frágeis. Para outras desabafar é só mais um hobby. Afinal, tem gente que mal conhecemos e já nos conta a vida toda. Isso não é ruim, só acho que pessoas assim deveriam ter cuidado ao fazê-lo, para não se decepcionarem depois.
    Sabe quando algo te machuca aos poucos, ou te sufoca? Isso! A palavra certa: sufocar. Quando parece que aos poucos você está afundando mais e mais em um rio profundo. A aflição só aumenta a cada minuto que passa e percebe que fica mais distante da superfície. O desespero invade, quando tenta puxar o oxigênio que já deixou de existir. Conhece essa sensação? Desabafar é assim para mim. É ficar sem ar com cada verdade que vai sendo despida dentro de mim. É ficar ofegante sabendo que alguém é capaz de me enxergar por trás de todas essas máscaras que usei ao longo da vida.
    Não gosto de falar de mim. Já disse isso, vivo dizendo isso. Meus motivos são bem diferentes dos que geralmente encontramos por aí. São todos que encontramos de uma vez só. É a dor de lembrar de alguns traumas, é o desconforto de me sentir a razão do desconforto das outras pessoas.
    Sinto-me frágil ao necessitar de conselhos, perdida ao ser interrogada com perguntas tão específicas e tão certas de minhas respostas. Na verdade, tenho medo desses interrogatórios. Eles me torturam. Quanto mais próxima a pessoa chega da oculta verdade, mais carente de oxigênio o meu corpo fica.
    Desabafar é maravilhoso, eu sempre disse. O que poucos sabem, é que sou tão hipócrita! Forneço maravilhosos conselhos que não consigo seguir, ofereço calorosos abraços que digo que não preciso, enxugo lágrimas que não tenho. Sei que tem muita gente quer realmente quer me ajudar, mas gosto demais dessas pessoas para oportuná-las com minha insanidades.
    Prefiro guardar tudo isso aqui. Não entenda mal, guardar não machuca, não como faz com a maioria das pessoas. Às vezes fica difícil de administrar, admito. No entanto, tenho o velho bom senso para aliviar um pouco com o sufocante desabafo. É raro, mas algumas vezes necessário. Sou forte. Sou um forte. Com todas essas barreiras e muros deveria ter uma boa estrutura , não é? E tem. É isso que me mantém aqui. Essa fortaleza de artifícios para driblar o sufoco. Continuo sendo algo que não me orgulho: hipócrita. Fazer o que? Tenho minhas prioridades, e ver os outros felizes e despreocupados vem bem antes de deixar essa hipocrisia.
    PS: até falar sobre minha repulsa em relação a desabafo, de certa forma, foi um desabafo. Estou eu aqui, aflita ainda com as palavras escritas.

Tuesday, October 4, 2011

Seu aniversário

 
   Bom dia (acho que você vai ler isso de dia, única hora que tem para respirar),
   essa carta não tem muito o intuito de te dar parabéns pelo seu dia. Ok, eu sei que hoje é seu aniversário, mas tenho certeza que já receberá vários "feliz aniversário" de pessoas que vivem com você, pessoas que nem lembra de ter conhecido. Pouparei-te deste momento clichê e falarei apenas de você!
    Adoro seu jeito esforçado. Tem mil páginas para estudar, um coração partido para remendar, um seminário para preparar e consegue executar tudo com exímia perfeição. Sempre disposta para fazer um pouco melhor tudo que já consegue muito bem. Você sabe disso, claro! Recebe um batalhão de elogios sempre.
    Sempre gostei do seu sorriso. Mesmo antes de usar aparelho, quando tinha aquele dentinho visivelmente fora do lugar. Estética não importa muito quando a alegria expressa pelo esforço facial de sorrir é verdadeira. Tá certo que com um tempo a vida foi mudando essa realidade tão evidente em seu sorriso, ainda assim conseguia ser bem mais verdadeiro do que o da maioria das pessoas na sua idade.
    Eu sei que você provavelmente não gostará de ler isso, pois lhe trará lembranças que está querendo evitar, mas, por favor, escuta mais uma vez aquela música do Jay Vaquer. Você sabe a que estou falando, tenho certeza que nunca esqueceu dela. Bem, ela vai servir só pra nunca esquecer que já amou de verdade um dia. É, foi isso! Você amou de verdade. Talvez ainda ame, eu não sei. Só escuta de novo e lembra de todas aquelas boas correntes de prazer que percorriam seu corpo enquanto lembrava do amor.
    Espero, depois de tantos anos, que tenha aprendido que não vale a pena se estressar demais com o que vão dizer de você. É difícil ignorar, eu sei que é. No entanto, tenta! Por mim? Por nós? Sabe muito bem que vão sempre falar mal de você, mesmo que só tenha dito coisas boas daquela pessoa. A recíproca nem sempre é verdadeira. Lembra disso, ok?
    Ah! Como poderia deixar de mencionar... seus pais. Eles são maravilhosos, sabia? É normal pais pegarem no pé dos filhos, por mais que insista que com você é diferente que é porque você é "a ovelha negra da família, aquela que faz tudo certinho, mas nunca recebe reconhecimento". Convenhamos, você não faz tudo certinho. Lembra da vez que fugiu de casa só porque disseram que iria passar uma semana sem internet? E daquela vez que chegou completamente bêbada quando tinha apenas 15 anos? Eles tiveram bons motivos para se chatearem com suas atitudes, não acha? E ainda terão, afinal, eles são seus pais. Sempre exigem o melhor que você pode ser.
     Para de pensar que o mundo gira ao seu redor! Desse jeito você só vai quebrar a cara mais vezes. Vai perceber que aquele carinha não te paquerava, que suas amigas nem sempre suportam quando conversas contigo acabam virando seus monólogos, o professor não está sendo um chato, é você que fala demais.
     Você é linda! Nunca deixe que te digam o contrário. Nunca diga o contrário, por mais que seu espelho grite isso. Não é gorda, por mais que a balança aponte uns quilinhos a mais. Quem disse que a magreza é a única forma de ser bonita? Pare com seus complexos bobos, está certo? Você merece sim pessoas que olhem e não vejam apenas o que está exposto na sua vitrine, mas também o que está no interior da sua loja, mesmo que seu coração não esteja a venda.
     Enfim, acho que já deu para entender que não é perfeita, que tem muito o que melhorar. Isso, claro, se já não tiver melhorado algumas coisas. Talvez você consiga entender como consegue ser tão egocêntrica e ainda assim ter uma auto estima tão afetada pelo que dizem por aí . Um dia, quem sabe.
     Olha, falei umas boas verdades nessa carta. Garanto-lhe que não foi fácil perceber isso tudo, muito menos encontrar palavras para descrever o que se passa e o que espero que mude. Na verdade, que eu espero que tenha mudado. Afinal de contas, você sou eu. Ok, isso é confuso. Mas daqui dez anos eu estarei lendo essas palavras, mas eu não serei mais o "eu" de hoje, serei o "você", ou seja, o "eu" de dez anos adiante.
      Você continua sendo uma pessoa confusa? Espero que não! Apesar de que eu sempre rio dessas confusões loucas.
      Estiquei muito o que deveria ser sucinto, eu sei. Sabe como é, não é? Uma egocêntrica falando com uma futura ex-egocêntrica, assim eu espero.
      Feliz aniversário! É, clichê. Mas foda-se, você merece.
             
                          Com amor,
de quem costumava ser você.

Sunday, October 2, 2011

Lost that war


    Escreve notas musicais a medida que seus dedos deslizam pelas cordas de seu violão. Sua voz constrói a mais doce melodia. Aquela música que lhe durou cinco minutos para compor por ter a imagem daquela mulher tatuada em suas pálpebras internas por tantos meses. Foi fácil escrever palavras sonoras, difícil foi senti-las como nunca havia antes. 
    Sem precipitações, apenas borboletas no estômago, segurou a mão de sua inspiração. Afagou seu cabelo, deu-lhe um beijo. Sussurrou:
   - Vem comigo! - apertou mais forte os dedos entrelaçados, sem nem esperar a resposta, a puxou para o elevador daquele condomínio antigo em que ele morava. 
   Nos seis andares que ainda faltavam percorrer, olhares se perdiam na profundeza de essências. Carinhos se encontravam na superfície de arrepios. Percorreram os dois lances de escada que faltavam para atingir a porta da cobertura daquele prédio no silêncio dos batimentos cardíacos que guiavam os passos nervosos.
   Um céu alaranjado pelo pôr do sol, um violão a deriva e um sofá. O sofá que costumava estar na sala dele, mas que naquele dia havia sido requisitado em outro lugar. 
   Sentou-se cuidadosamente para não demonstrar nenhum sinal de agitação fora do comum e prendeu suas madeixas para não deixar que o vento forte a deixasse desleixada. Neste contratempo ele alcançou seu violão, respirou fundo:
    - Eu preciso dizer uma coisa.
    - Dizer o que? - ela falou meio apreensiva, mas com um sorriso incontrolável.
    - Isso...

I'm running around
Think my foots on the ground
But I can't get it out of my head
I've brought my sword
Of this I'm sure
I'll use it on myself instead

    Nunca havia escutado aquela canção. Ela sabia que ele tocava, e muito bem, apesar de nunca assumir. Sabia também que ele nunca havia escrito nada, nem mesmo uma narrativa boba na sua infância. Foi aí que ela percebeu: ele finalmente havia achado uma inspiração.

And it's all fine
I know I'm blind
I feel my heads in a different time
Days too dark
Nights too bright
I think I'm wrong when I know I'm right

     Seus olhos fixos nas feições dela. O ritmo calmo de sua música não correspondia às batidas aceleradas de seus sentimentos.

Never knew 
I'd love so much
Never thought my heart could crush
I lost that war
I lost that war

      Logo ele que nunca havia amado, logo ele que nunca havia sentido. Ela sabia. Ela tinha certeza que aquilo que ele sentia ali não era passageiro. Era, na verdade, forte o suficiente para fazê-lo quebrar seus bloqueios mentais e compor uma música afim de explicar o que se passava dentro dele. Sem conter-se com tal descoberta, permitiu lágrimas em seus olhos.


I left my armour back at home
Coming back with broken bones
I lost that war 
I lost that war

    Sua inspiração estava com olhos molhados, e com sua experiência de vida, imaginava que aquele não era um bom sinal. Algo estava errado. Seria o arranjo musical? A combinação de palavras escolhidas? Não podia continuar. Não! Seu amor não podia chorar.
    Soltou o violão de lado e abraçou aquele corpo que era seu mundo inteiro.
    - Desculpa!
    - Por que você parou? - conseguiu falar baixinho.
    - Você está chorando.
    Ela riu.
    - O que foi?
    - Essas lágrimas que você tá vendo... - fez uma pausa para enxugar o rosto - são de felicidade. Elas estão aqui porque te amo. Porque você conseguiu colocar em uma música tudo aquilo que eu queria te dizer. Porque você está cantando para mim tudo aquilo que eu queria ouvir.
     Ele sorriu aliviado. Soltou de seus braços e pegou o violão mais uma vez.
     - Onde parei? Ah!

I thought that love
Was just a bus
Waiting for your damn stop to come up
Then you're out in the cold
You feel so old
It left you there
And it stole your coat
But it's all fine
I know I'm blind
Trusted you with my heart one time
Days are long
Nights are pain
Now I'm back in that bus in the rain

      E assim eles sabiam que haviam perdido naquela guerra, que haviam deixado todas as suas proteções guardadas para serem alvos fáceis do amor. Por tanto tempo esperavam aquele ônibus no frio da rua, e ao se encontrarem puderam fazer o calor com um abraço, uma proteção com o olhar, uma certeza com o coração. Subiram no ônibus do turbilhão de sentimentos. Subiram de mãos dadas.


Texto inspirado neste vídeo.