Sunday, October 2, 2011

Lost that war


    Escreve notas musicais a medida que seus dedos deslizam pelas cordas de seu violão. Sua voz constrói a mais doce melodia. Aquela música que lhe durou cinco minutos para compor por ter a imagem daquela mulher tatuada em suas pálpebras internas por tantos meses. Foi fácil escrever palavras sonoras, difícil foi senti-las como nunca havia antes. 
    Sem precipitações, apenas borboletas no estômago, segurou a mão de sua inspiração. Afagou seu cabelo, deu-lhe um beijo. Sussurrou:
   - Vem comigo! - apertou mais forte os dedos entrelaçados, sem nem esperar a resposta, a puxou para o elevador daquele condomínio antigo em que ele morava. 
   Nos seis andares que ainda faltavam percorrer, olhares se perdiam na profundeza de essências. Carinhos se encontravam na superfície de arrepios. Percorreram os dois lances de escada que faltavam para atingir a porta da cobertura daquele prédio no silêncio dos batimentos cardíacos que guiavam os passos nervosos.
   Um céu alaranjado pelo pôr do sol, um violão a deriva e um sofá. O sofá que costumava estar na sala dele, mas que naquele dia havia sido requisitado em outro lugar. 
   Sentou-se cuidadosamente para não demonstrar nenhum sinal de agitação fora do comum e prendeu suas madeixas para não deixar que o vento forte a deixasse desleixada. Neste contratempo ele alcançou seu violão, respirou fundo:
    - Eu preciso dizer uma coisa.
    - Dizer o que? - ela falou meio apreensiva, mas com um sorriso incontrolável.
    - Isso...

I'm running around
Think my foots on the ground
But I can't get it out of my head
I've brought my sword
Of this I'm sure
I'll use it on myself instead

    Nunca havia escutado aquela canção. Ela sabia que ele tocava, e muito bem, apesar de nunca assumir. Sabia também que ele nunca havia escrito nada, nem mesmo uma narrativa boba na sua infância. Foi aí que ela percebeu: ele finalmente havia achado uma inspiração.

And it's all fine
I know I'm blind
I feel my heads in a different time
Days too dark
Nights too bright
I think I'm wrong when I know I'm right

     Seus olhos fixos nas feições dela. O ritmo calmo de sua música não correspondia às batidas aceleradas de seus sentimentos.

Never knew 
I'd love so much
Never thought my heart could crush
I lost that war
I lost that war

      Logo ele que nunca havia amado, logo ele que nunca havia sentido. Ela sabia. Ela tinha certeza que aquilo que ele sentia ali não era passageiro. Era, na verdade, forte o suficiente para fazê-lo quebrar seus bloqueios mentais e compor uma música afim de explicar o que se passava dentro dele. Sem conter-se com tal descoberta, permitiu lágrimas em seus olhos.


I left my armour back at home
Coming back with broken bones
I lost that war 
I lost that war

    Sua inspiração estava com olhos molhados, e com sua experiência de vida, imaginava que aquele não era um bom sinal. Algo estava errado. Seria o arranjo musical? A combinação de palavras escolhidas? Não podia continuar. Não! Seu amor não podia chorar.
    Soltou o violão de lado e abraçou aquele corpo que era seu mundo inteiro.
    - Desculpa!
    - Por que você parou? - conseguiu falar baixinho.
    - Você está chorando.
    Ela riu.
    - O que foi?
    - Essas lágrimas que você tá vendo... - fez uma pausa para enxugar o rosto - são de felicidade. Elas estão aqui porque te amo. Porque você conseguiu colocar em uma música tudo aquilo que eu queria te dizer. Porque você está cantando para mim tudo aquilo que eu queria ouvir.
     Ele sorriu aliviado. Soltou de seus braços e pegou o violão mais uma vez.
     - Onde parei? Ah!

I thought that love
Was just a bus
Waiting for your damn stop to come up
Then you're out in the cold
You feel so old
It left you there
And it stole your coat
But it's all fine
I know I'm blind
Trusted you with my heart one time
Days are long
Nights are pain
Now I'm back in that bus in the rain

      E assim eles sabiam que haviam perdido naquela guerra, que haviam deixado todas as suas proteções guardadas para serem alvos fáceis do amor. Por tanto tempo esperavam aquele ônibus no frio da rua, e ao se encontrarem puderam fazer o calor com um abraço, uma proteção com o olhar, uma certeza com o coração. Subiram no ônibus do turbilhão de sentimentos. Subiram de mãos dadas.


Texto inspirado neste vídeo.

1 comment:

  1. Muitoooo lindo, curti muito, cada palavra, é algo que você consegue tirar do fundo da alma,para mim, isso é poesia,porque poesia não é só feito de rimas,é feito com sentimento! muito bom parabéns =D

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