Thursday, March 6, 2014

Volta por cima

      Eram passos curtos de tão apertado. Andava com pressa, mesmo que não percorresse longas distâncias em pouco tempo. Não se pode desperdiçar o suor que não tem, nem escancarar o nervosismo insistente. Ela era tão carinhosa e sutil mesmo rejeitando todas as propostas. Compreender como tudo isso era possível, ele não conseguia. Uma rejeição tão doce e calma, enquanto ele estava banhado de gotas ansiosas.
      Em prol de tudo que havia sido vivido ele implorou, mas não disse nada. Pensou em todos os bons momentos, mas não disse nada. Engoliu suas vontades, já que não mudariam a decisão daquela mulher tão menina. Apenas fugiu. Virou as costas para o sonho distante. Com o coração apertando o peito, engoliu também o choro.
      Chegou em casa ofegante, mesmo sem ter feito esforço físico muito pesado, apenas forçou demais a mente. Cenas repassando em sua cabeça reavivavam a memória tão recente. Frases ecoando em seus ouvidos ainda que no silêncio de seu quarto. Ela era frígida, só podia, e o pobre coitado nunca percebeu. Forjou simpatia, paixão. Forjou amor. Tão falsa ela foi, tão falsa ela é. Será que não podia forjar apenas mais uma vez? Só para não destruir um sonho, só desmoronar uma construção. Ele tinha feito tudo sozinho. Não havia pedido ajuda para sonhar, planejar, criar. A única função dela era estar ali, e mesmo assim não o fez. Ele era egoísta por não tê-la incluído no planejamento. Será? Será que ela não deveria participar da construção de um futuro que a envolvia? Será que ela já não estava cansada de não ter escolha?
      - Já sei como vai ser.
      - Ah é? E como vai ser?
      Então ele explicava e nunca a deixava opinar. Ela o olhava e forçava um sorriso. Ao virar para o outro lado, caía uma lágrima.
      Tantas as vezes que isso aconteceu, tantas as vezes que ela implorou para participar. Tantas. Tantos os planos que ela não pode ajudar, tantos os planos que saíram do controle e tiraram ele da calma. E quem levava a culpa? Quem não ajuda a criar, é claro.
      Ela virou pro na arte de fingir e foi o suficiente para dar-lhe tempo de construir seu próprio sonho. O sonho que não o envolvia, o sonho em que ele não podia ajudar a planejar, o sonho em que ela seria a dona do seu futuro, ninguém mais. O sonho de dizer não para ele, de esquecer aquele amor tão sofrido. Ela demorou o tempo necessário, aguentou até o momento perfeito. Foi o dia que ficou para a história dela. Veja bem, "dela" e não "deles". O dia em que ela disse "não" depois de tantos "sim", depois de impacientes "pode ser". Foi o minuto em que toda falsidade sumiu, e o sorriso foi sincero. Foi o momento dela.

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