Tuesday, January 20, 2015

Instituto da mente

      - VOCÊS NÃO PODEM FAZER ISSO! - ela já gritava refletindo sua indignação diante da situação.
      Já era difícil suficiente ver sua irmã mais velha deitada numa cama, amarrada, confinada em uma clínica criada para, teoricamente, curar pessoas com distúrbios mentais. Agora eles queriam limitar as visitas de familiares para apenas um dia da semana. Não apenas de familiares, mas de qualquer ser humano que mostrasse o rosto. Nos momentos em que ninguém estivesse em seu quarto, ela não teria nada além da companhia das ataduras e dos remédios que a deixavam fraca demais para expressar qualquer emoção.
      A cena toda era tão insana que nem conseguia lembrar que insanidade tinha colocado a irmã ali. Discutir tais questões na frente daquele corpo que guardava uma personalidade tão amorosa, tão doce, e ao mesmo tempo tão forte, só a deixava com mais raiva. O que poderia ser tão grave que fez com que seu amor maior perdesse toda a sua essência para aqueles medicamentos? Fazia esforços para lembrar, mas tudo que lhe vinha à mente eram os bons momentos que haviam divido.
      Rir uma com a outra quando algo engraçado que era dito pelos pais que tentavam ferozmente se encaixar no dialeto dos "jovens". Rir da outra quando algo embaraçoso acontecia. Assistir programas de TV ridículos, porque a outra gostava tanto. Ouvir cada história emocionante que estava sendo contada, mesmo que não fosse infantil. Levar a culpa, para livrar a irmã inocente sem nunca pedir nada em troca. Brigar por assuntos banais, mas logo fazer as pazes.
      Tais lembranças só alimentaram sua indignação. Aquela pessoa ali deitada havia sacrificado muito por ela. Seu interior surtava, mesmo não achando que seu exterior fazia jus.
      - VOCÊS PIRARAM, NÃO FOI? POR QUE ESSA PORRA DESSA RESTRIÇÃO REPENTINA? - sentia veias saltando da sua testa.
      Eles estavam querendo impedi-la de ver a pessoa que sempre foi seu porto seguro. Já haviam lhe tirado metade, agora queriam tirar mais um pedaço. Ela sentia essas lascas se esvaindo por seus dedos. No fundo sabia que ela ainda estava ali, por isso nunca havia deixado de visitá-la, ainda que aquela parecesse a primeira vez que estava em pé naquele quarto. Tudo parecia estranho naquele momento. As peças não estavam se encaixando e sua raiva não a permitia ver além da indignação. Sua cabeça já não pensava de maneira coerente. Os rostos dos responsáveis por aquilo já não eram mais visíveis. Será que era assim que sua irmã a enxergava depois de toda aquela medicação? Será que sua irmã a reconhecia como antes? Será que ela lembrava do antes?
      Cada menor pensamento que lhe acontecia, contribuía para que sua paciência se tornasse inexistente. Nenhuma palavra era escutada vinda daqueles "profissionais". A situação em que passou a se ver parecia mais uma cena de um filme de terror doentio que brinca com os esconderijos da mente. Sem perceber, seus gritos já se tornavam a única coisa a ser escutada. Não mantinha mais nenhum filtro de palavras respeitosas que podia usar naquela ocasião. Percebeu uma coisa, porém. Percebeu que seu descontrole foi notado por aqueles rostos sem olhos, nariz ou boca. Percebeu que seu descontrole alarmou algo na mente doentia daqueles que trabalhavam para aquela instituição. Tais percepções não a impediram de continuar sua fúria. Nada lhe pararia na busca incessante para livrar sua irmã daquela prisão mental. Pelo menos era isso que ela achava.
      - Anestesie ela - uma voz assustadoramente suave e calma proferiu tais palavras. Únicas palavras que ela conseguiu escutar além das suas próprias.
      Por um momento seu silêncio foi conquistado por tal comentário. Sua mente, além de desprovida de filtros e furiosa, tornou-se confusa.
      "Anestesiá-la? Por que? Mais narcotizada do que ela está é impossível"
      Ao perceber a movimentação no quarto, sua mente foi clareando os pensamentos. Todos os rostos focados nela: na irmã lúcida, na irmã que estava de pé, na irmã furiosa, na irmã mais inexperiente. De repente, ela se sentiu cercada por todos os lados. Como se de três, eles passassem a ser vinte. O homem mais alto segurava uma seringa branca. O seu rosto fixado nela, como se fosse um predador prestes a dar o bote.
      Sem nem notar, seu rosto já estava coberto de lágrimas. Tentava procurar palavras para justificar seus acesso de raiva como qualquer outra coisa que não soasse como insanidade. Dessa vez, no entanto, foi presa na imobilidade de seus lábios. Olhou em volta em busca do rosto conhecido, o rosto que lhe traria paz. Quando finalmente conseguiu lançar um olhar de socorro para a irmã impossibilitada de levantar-se, se arrependeu de tê-lo feito. Aquela personalidade que tanto conhecia ali não mais estava. Seu semblante era tão frio quanto imaginava ser o dos predadores naquele momento. De sua boca saiu uma risada maléfica com o tom da voz da experiência, fazendo com que não a reconhecesse mais. Isso aumentou o desespero da fuga. sem analisar muito as possibilidades, correu pela porta de entrada. Atrás dela o predador mais veloz com a seringa em mãos. Ao fundo conseguia enxergar os outros caminhando calmamente em sua direção. Com o coração acelerado e os passos tentando acompanhar tal velocidade, decidiu não mais olhar para trás.
      Cinco segundos correndo, pareceram 50 anos perdidos. O baque consistente com a velocidade de seu pior predador derrubou suas forças. Fechou os olhos os mais forte possível enquanto sentia o metal frio entrando no seu pescoço. Apesar da brutalidade imprimida na seringa contra sua veia, o momento pareceu se arrastar em câmera lenta. A cada milésimo de segundo suas pálpebras afundavam mais e mais. Seu coração deveria acalmar, mas não era isso que sentia.
      Abriu os olhos rapidamente. O coração quase saindo pela boca. A claridade do quarto a deixou desnorteada por um tempo. Enquanto seu coração acalmava pela realização do pesadelo que havia acabado de ter, quis esfregar as mãos nos olhos para forçar melhor visibilidade. Apesar dos esforços, não conseguia se mexer. O desespero foi voltando e todo o seu corpo tento se libertar sem sucesso. Quando finalmente piscou mais algumas vezes, conseguiu ver sua mãos presas, seus pés atados. Tentou gritar por socorro, mas percebeu que até sua boca era refém. O silêncio foi rompido finalmente, não por ela, mas por uma voz familiar:
      - Esse é seu fim, metade inocente.

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