Monday, December 4, 2017

Amargor

          Meu bem, deixa. Esquece que o que a gente viveu foi tão bom que dá vontade de voltar. Descarta a vontade de pegar o telefone e ouvir minha voz. Você nunca foi de insistir, não começa agora. Vai por mim, não escolhe a gente. Talvez tua felicidade seja mais sincera quando não estou ao teu lado. Segue em frente e me deixa para trás. Não petrifica tua vida por um último olhar.
WeHeartIt
          Apaga da tua pele os calafrios que minhas mãos te provocaram. De nada mais valem esses arrepios solitários. Despreza os perfumes que te lembram a gente: o feijão na panela, o detergente de coco, o amaciante dos lencóis, meu xampu com cherinho de verão. Cada momento do nosso dia resumido em aromas que tu não deve mais aproveitar comigo. Muda teu cardápio, lava os pratos com sabão neutro, não mais amacia os lençóis, sente o inverno. Faz o que for preciso para não lembrar das nossas risadas na calada da noite. Nem pense em juntar os travesseiros para fazer um projeto de mim. Esquece os caminhos das minhas curvas. Não lembra de como eu implorava por misericórdia quando teus dedos me faziam cócegas, muito menos de como teus braços me envolviam pedindo perdão pela brincadeira, ou de minhas rugas de aborrecimento que pouco duravam.
          Não se importa com tudo que me fez sentir. Chegou de mansinho, sem alarmar minhas defesas, desarmou meu forte, adentrou meu castelo e ali fez morada. Abriu as janelas, iluminou o lugar. Deixou o sol pegar fogo aqui dentro. Fez meu amor por ti arder. Ardeu que machucou. Ardeu que chorei. Vai. Não precisa voltar. Dos escombros cuido eu. Vai com calma, vai bem. Encontra a felicidade que tu procurou em mim. Busca exatamente tudo aquilo que eu pensei que tinha visto nos meus olhos. Esquece o calor do meu pescoço, a maciez dos meus lábios. Se desprende das memórias boas que guardamos juntos. Não tem porquê insistir em um amor tão inesperadamente suave. As coisas instantâneas dificilmente são de qualidade. Teu riso imediato comigo, tua paz garantida em mim. Não, não vale a pena ficar.
          Fica tranquilo. Ignora as ironias. Não precisa explicar o sumiço. Só te peço que quando sumir da vida das pessoas, não volte. Elas não precisam de mais interrogações sem pontos finais. Também não vem me perguntar como eu estou. Ninguém precisa fingir que se preocupa, quando na verdade a única atitude que conhece é fugir. Meu questionário ainda está em branco. Eu ainda não encontrei as respostas. Se for para voltar de mãos vazias, fica aí, meu bem. Esse corpo aqui vai se acostumar com a ausência do teu. Só minha alma que não vai esquecer a dor.
          Quando te vier o súbito desejo de saber o que poderia ser da gente se tu não tivesse sumido. Quando as tuas mãos ficarem cansadas de tanto cavar razões plausíveis para ter ido. Quando uma lágrima de saudade cair. Deixa.

1 comment: