Friday, February 15, 2013

Sua turbidez

      - Quero poder te ler com a palma da minha mão. Olhar nos teus olhos e ver teus pensamentos, dos mais serenos aos mais obscenos. Beijar teus lábios de inverno e sentir o calor de julho. Sei que sua frigidez é só fachada, meu amor. Mas, por favor, para de tentar se enganar. Eu vi quando sorriu na hora em que falei que seu cabelo bagunçado é a visão mais fofa que já tive. Ouvi seus gritos internos quando seu pai faleceu. Pode dizer que ele era um velho resmungão, nada vai apagar o amor e carinho que você sente por ele. Eu sei que não! - a voz trêmula juntou-se às lágrimas que já ameaçavam pular fora - Eu... - suspiro - Desculpe.
     Deu as costas para a coragem. Todo seu plano arquitetado não passava de um edifício mal construído que em poucos segundos sumiu em cinzas. Estava desistindo por não ter forças para continuar falando tudo que estava engasgado há tanto tempo. Ele estava alucinado por aquela garota e isso o levava à loucura. Não sabia ao certo se o sentimento em si lhe fazia digno de se internar em um hospício, ou se as reações dela ao sentimento dele eram a causa. O que mais importava era que falar não parecia mais funcionar. Nunca havia funcionado com ela. Teimosa e amante dos fingimentos. Não era falsa ou mentirosa como uma uma vilã de novela, a não ser que ela se chamasse Novela, aí sim. Ele entendia que ela já havia sofrido demais ao longo da curta vida que ela viveu, mas não entendia como ela podia sabotar as realidades com medo das falhas futuras. Ela dizia:
      - É a obsolescência programada.
      Essas palavras emputeciam os nervos calmos dele. Ela jogava a culpa na vida e nas pessoas que a rodeavam, porém estava mais do que óbvio que o responsável por essa programação era ela.
      Pensando em tudo isso e mais um pouco, os pés dele seguiram um comando oposto ao previamente enviado. Meia-volta pouco antes de chegar ao trinco da porta, agora em direção ao quarto em que a teimosia estava. Cabisbaixa, foi assim que ele a encontrou e isso funcionou como um impulso para reconstruir o edifício, dessa vez com outras proporções e propósitos. Dessa vez era uma fortaleza que ele iria ser. Seus passos ainda silenciosos, não despertaram a atenção dela. A voz, agora impossível de calar, assustou a teimosia. Os lábios desenhando palavras nunca ditas antes, tão convincentes, tão claras, tão tocantes. Talvez elas até estivessem se repetindo, mas um edifício mal construído é diferente de uma fortaleza pronta para o contra-ataque. A realização foi tamanha que não surgiu uma faísca de ataque da inimiga amiga. O susto inicial não se manteve, o que a enfeitiçou nas palavras foi a confiança. Foi a certeza do que estava sendo dito sem lágrimas, apenas com dor e conhecimento. A dureza das palavras derreteu todas as barreiras da fortaleza dela, a qual ele imaginava que existia, mas não sabia que bastava se igualar para derrubar.
      Naquela tarde que virou noite não houve sabotagem de nenhuma das partes. Naquela noite que virou dia não houve arrependimento. Naquele dia que virou o resto da vida deles nada mais foi escondido ou temido.

No comments:

Post a Comment